Publicações compartilhadas milhares de vezes em redes sociais desde o início de maio asseguram que beber chá de boldo cura “em três horas” os sintomas da COVID-19. Especialistas consultados pela AFP afirmaram, contudo, que ainda não é conhecido qualquer tratamento eficaz contra o novo coronavírus. O Ministério da Saúde brasileiro informa, por sua vez, que nenhum chá ou bebida quente combate a doença. Além disso, o consumo desta infusão em grandes quantidades pode trazer riscos.“Governo gastando bilhões em combate ao corona vírus, e um irmãozinho de algum lugar sem faculdade em ciência ou medicina descobre que chá de boldo combate os sintomas de covid em três horas, realmente Deus usa as coisas loucas desse mundo pra confundir as sábias! [sic]”, dizem as publicações, compartilhadas mais de 4 mil vezes no Facebook desde o último dia 13 de maio.
Versões semelhantes afirmam que a receita caseira foi testada, com sucesso, por um casal que mora em São Paulo, enquanto outras circulam no Twitter e em áudios compartilhados no WhatsApp. O conteúdo também foi enviado ao número de WhatsApp do AFP Checamos para verificação.
Especialistas consultado pela AFP e órgãos nacionais e internacionais de saúde negam, no entanto, a existência de um tratamento para a COVID-19.Identificada no final do ano passado na China, a doença causada pelo novo coronavírus provoca, principalmente, febre, tosse seca e cansaço, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Sintomas menos comuns incluem congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar ou olfato, irritações na pele e descoloração dos dedos das mãos e dos pés.
Questionado pela AFP se a ingestão de chá de boldo poderia curar estes sintomas, Rodolfo Behrsin, pneumologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), classificou a alegação como “fake news”. “Tomar chá de boldo vai ser a mesma coisa que beber um copo de água para a COVID-19”, disse.
Em conversa com o AFP Checamos, Paulo Santos, médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, concordou que não há evidências de que o chá de boldo cure os sintomas da COVID-19. “Até o presente momento, desconhecemos qualquer tratamento com alto nível de eficiência contra o SARS-CoV-2”, afirmou, em referência ao nome oficial do vírus.
“Chama a atenção a afirmação de que o chá de boldo curaria os sintomas em três horas”, acrescentou Santos. “A dinâmica de qualquer doença viral torna muito difícil um desempenho como este. Até mesmo em outras doenças virais, com tratamentos eficientes já conhecidos, não conseguimos uma performance tão fantástica como esta, de forma que do ponto de vista científico é pouco provável que algo assim venha a existir”.
O Ministério da Saúde informa, por sua vez, que o consumo de bebidas quentes ou chás “não traz benefício algum em relação à prevenção ou eliminação do coronavírus”.
Já a Organização Mundial da Saúde explica que, “embora alguns remédios ocidentais, tradicionais ou caseiros possam proporcionar conforto e aliviar os sintomas de uma [manifestação de] COVID-19 leve, nenhum medicamento se mostrou capaz de prevenir ou curar a doença”.
Uma busca nas ferramentas de pesquisas acadêmicas Google Acadêmico, SciELO e MedRxiv, por combinações de palavras-chave como “Peumus boldus” (nome científico da espécie), “Boldo”, “COVID-19”, “coronavírus” e “SARS-CoV-2” não localizou qualquer estudo que aponte para a eficácia do chá de boldo no tratamento da COVID-19.
Sem nenhum risco?
Muitas das publicações viralizadas afirmam que, caso a ingestão de chá de boldo não surta efeito contra o novo coronavírus, “mal não vai fazer”. Esta não é a opinião de Santos, que enumerou possíveis riscos do consumo do chá em grandes quantidades.
“O boldo não pode ser usado em gestantes, pois há relatos de possível efeito teratogênico (causar defeitos no bebê). Já foi descrita também toxicidade hepática e reações alérgicas”, afirmou. “O boldo também aumenta o efeito de alguns anticoagulantes, trazendo risco de sangramento para pacientes que já tomam estas medicações”.
O fato da COVID-19 ser uma doença nova, e ainda pouco conhecida, também deve ser levado em consideração, indicou Santos. “Estamos lidando com uma doença desconhecida, logo é difícil prever se uma substância terá efeito positivo, neutro ou negativo na evolução da doença e na saúde do paciente. Há que se ter cautela”, afirmou o infectologista.
Behrsin destacou, por sua vez, que a utilização de receitas caseiras como essa pode fazer com que pessoas contaminadas demorem mais a procurar um médico, resultando em possíveis riscos. “Dependendo do tipo de evolução que a pessoa apresentar, 24 horas pode ser muito tempo e aí ela pode, quando chegar ao hospital, já estar em uma fase mais avançada”, afirmou.
Caso uma pessoa tenha sintomas leves de COVID-19, como um pouco de tosse ou uma febre fraca, a OMS recomenda que ela permaneça isolada em casa e monitore os sintomas. No caso de dificuldades para respirar, dor ou pressão no peito, a organização afirma que deve ser procurada ajuda médica imediata.
A equipe de checagem da AFP já verificou outros remédios e receitas caseiras supostamente eficientes contra o novo coronavírus que deixou, até 18 de maio, mais de 4,7 milhões de pessoas infectadas e de 315 mil mortes em todo o mundo.
Em resumo, não há evidências de que beber chá de boldo cure “em três horas” os sintomas da doença provocada pelo novo coronavírus. Tanto um infectologista e um pneumologista consultados pela AFP, quanto a Organização Mundial da Saúde, frisam que, até o momento, não é conhecido qualquer tratamento eficiente contra a COVID-19.
Via AFP