O Setembro Amarelo traz à tona um tema que, muitas vezes, nos demais meses do ano, ainda é visto como um grande tabu. O suicídio é um fenômeno que contém diferentes elementos envolvidos que fazem uma pessoa tirar a própria vida, e, justamente por isso, o tema não pode ser deixado de lado.
O número de suicídios no Brasil cresceu 11,8% em 2022 na comparação com 2021. Os dados fazem parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho deste ano. Em termos proporcionais, o Brasil teve 8 suicídios por 100 mil habitantes em 2022. O aumento tem sido maior em faixas etárias mais jovens, abarcando infância e juventude. Apesar dos esforços para reduzir o suicídio globalmente, a América é a única região do mundo onde a mortalidade por suicídio vem aumentando desde o ano 2000. A maioria (79%) dos suicídios nas Américas ocorre entre homens, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Conversamos com a psicanalista e CEO do Ipefem (Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), Ana Tomazelli, que levantou três pontos fundamentais sobre o tema. A especialista explica que “é importante destacar que: quem tira a vida nunca quer tirar a vida, na verdade. A pessoa só deseja, imensamente, que a dor acabe, e provavelmente, ela já tentou de tudo para que a dor cessasse, mas não conseguiu”.
Etapas
“A primeira coisa que precisamos considerar quando falamos em suicídio, é entender que até a pessoa realizar o ato, ela passa por várias fases. Eu poderia resumir em três grandes fases: a primeira é a fase da ideação suicida em si, a segunda fase leva ao pensamento sobre a execução do plano, uma espécie de ideação mais concreta com movimentos conscientes e inconscientes, e a terceira fase é o ato em si”, explica.
Ana Tomazelli discorre sobre a prevalência masculina nos casos. “Como lidar com sentimentos? Como lidar com essa pressão de ser infalível, ser o provedor? Na verdade, toda vez que a gente pega o eixo transversal de violência, teremos o masculino como predominante. Isso ocorre, entre outros motivos, pelas expectativas culturais em torno do gênero – o que ajuda a explicar a alta prevalência entre a população masculina, como indica a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).”
Percepção
Ana ressalta que nem sempre é possível perceber que alguém está planejando o suicídio. “Nem sempre dá para saber, na verdade eu arrisco dizer que quase nunca. E isso vira um problema de saúde mental também para as famílias. Principalmente se isso acontece com adolescentes e jovens, os pais se culpam muito porque não perceberam, porque estavam distantes, porque não prestaram atenção, mas é fundamental saber que não se responsabilizar inteiramente por um ato realizado por outra pessoa, ainda que seja preciso refletir sobre as consequências dos atos de todos os envolvidos”, explica.
Segundo a psicanalista explica, o sinal é muito silencioso, inclusive em redes sociais. “No passado, era mais possível identificar os movimentos para aprender a fazer algo violento contra si mesmo, porque as conexões não eram tão fáceis, você não conseguia informação tão fácil, você não se conectava tão facilmente com pessoas. E os próprios comportamentos de relação social eram um pouco mais extrovertidos, as pessoas conviviam mais fisicamente, e portanto os comportamentos observáveis eram mais fáceis de detectar. Hoje em dia, se uma pessoa fica por muito tempo no celular, por exemplo, não tem muito como dizer se esse é ou não um sinal de alerta”.
O suicídio não tem porta-voz. “Ele é de fato discreto, silencioso, e psicanaliticamente, se ele não é, ou seja, se o processo não é discreto e silencioso, a gente pode, inclusive, fazer a leitura de que tem uma parte dessa pessoa que, na verdade, não quer tirar a própria vida. Ela está muito mais na intenção de buscar atenção e afeto, e a via utilizada é a ameaça velada ou explícita de tirar a vida, ao invés de, efetivamente, realizar o ato em si. Portanto, o recado principal é: se você tem uma dor muito grande, procure apoio. Apoio profissional e apoio afetivo”.
Conversas
Durante muito tempo, foi defendida a postura de que falar sobre suicídio não era algo adequado. “Pensava-se isso para que não houvesse incentivo, para evitar que as pessoas entendessem que essa poderia ser uma opção. Essa postura ainda é defendida por algumas pessoas, mas, no Setembro Amarelo, ano a ano, isso tem melhorado bastante. É claro que precisamos ter alguns cuidados éticos na abordagem do tema, mas é crucial falar do assunto em si conceitualmente, ou do sofrimento que leva a considerar esse tipo de assunto”, explica a psicanalista.
Mas afinal, existe um jeito certo ou ideal para tocar no tema? “A dica é: falar sobre. Esse assunto precisa ser falado, ele precisa ser conversado, a gente precisa admitir que ele existe. Os casos crescem ano a ano, então não faz sentido simplesmente ignorar o tema. Se há alguém na família que já se suicidou, fale sobre. É comum que esses casos se tornem um segredo nas famílias, um tabu. Portanto se há um histórico familiar, ele pode e deve ser conversado entre os familiares, por exemplo. Isso ajuda a trazer consciência sobre o tema”, conclui Ana Tomazelli.
Texto: Temma Agência – Stefani Pereira – [email protected]