Agosto branco é o mês escolhido para a conscientização sobre o câncer de pulmão, a principal causa de morte por câncer para homens e mulheres em todo o mundo. No Brasil, apenas 16% dos casos são diagnosticados em estágios iniciais, o que evidencia a necessidade de reforçar o conhecimento sobre o controle dos fatores de risco que podem ser modificados e estratégias de controle e tratamento da doença. A compreensão dessas abordagens é vital para melhorar as chances de sucesso no tratamento e para combater eficazmente a doença
O câncer de pulmão é o segundo câncer mais comum em homens no mundo e o terceiro entre as mulheres, de acordo com a International Agency for Cancer Research (IARC), ligada à Organização Mundial da Saúde. As estimativas mais atuais disponíveis indicam que, em 2020, eram esperados mais de 2,2 milhões de novos casos de câncer de pulmão no mundo, o que equivale a 11,4% de todos os cânceres (Observatório Global do Câncer/Globocan 2020).
Ajustando o foco para o Brasil, mais de 32.560 novos casos de câncer de pulmão devem ocorrer em 2023 (18.020 entre homens e 14.540 em mulheres) no Brasil, conforme as estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Porém, apenas 16% dos tumores de pulmão são diagnosticados em fase inicial (estadiamentos I e II), quando as chances de cura são maiores, ainda segundo o (INCA), e o tratamento pode ser feito com recursos menos agressivos ao organismo.
A doença costuma acometer mais pessoas acima dos 65 anos, com um número menor de diagnósticos abaixo dos 45 anos, segundo a American Cancer Society (ACS), que em parceria com a American Cancer Society of Clinical Oncology promove o maior importante congresso mundial de câncer, a reunião anual da ASCO. No que se refere aos sintomas, muitas vezes estão ausentes no princípio ou podem ser muito sutis. Também variam de acordo com a localização do tumor. Os sinais mais comuns podem ser tosse e falta de ar (muitas vezes agravadas por condições como enfisema ou bronquite), dor ao respirar, tosse com sangue (hemoptise), emagrecimento significativo e pneumonias recorrentes devido à obstrução das vias respiratórias. Todos esses sinais e sintomas podem igualmente estar associados a muitas outras enfermidades. O diagnóstico definitivo só pode ser feito após exames.
“Não podemos desperdiçar nenhuma oportunidade de esclarecer a população para aumentar as chances de prevenir o câncer de pulmão”, diz o médico e cirurgião oncológico Cézar Augusto Galhardo, presidente da regional do Mato Grosso do Sul da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO-MS) e vice-coordenador da Comissão de Neoplasias Torácicas da SBCO.
Os principais tipos de câncer de pulmão – O tipo mais frequente de câncer de pulmão é o Carcinoma de Células Não Pequenas (NSCLC, sigla em inglês para Non-small Cell Lung Cancer). O segundo é o Carcinoma de Células Pequenas (SCLS, sigla em inglês para Small Cell Lung Cancer). O primeiro cresce mais lentamente, enquanto o SCLC evolui rapidamente em geral, podendo aparecer com metástases sistêmicas em pouco tempo. Quando o câncer de pulmão do tipo NSCLC é descoberto no início e não existe sinal de disseminação da doença, as taxas de sobrevivência em cinco anos chegam a 64%, de acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer Americano (SEER – Surveillance, Epidemiology, and end results) feitas com dados colhidos entre 2011 e 2017. Já pacientes com Carcinoma de Pequenas Células (SCLC, sigla em inglês para Small Cell Lung Cancer) têm somente 27% de chances de estarem vivos em cinco anos. Vale lembrar que a taxa de sobrevida é calculada a partir dos dados de um grande número de pessoas e não é uma informação adequada para avaliar o desfecho de paciente. No Brasil, pesquisadores do INCA projetam uma possível redução nacional de 28% na probabilidade de mortalidade prematura por câncer de pulmão em homens, entre 30 e 69 anos, no período de 2026 a 2030, mas o mesmo não ocorreria entre as mulheres, com previsão de 1,1% de aumento.
Os dados reunidos pela ACS também mostram que a incidência de câncer de pulmão varia de acordo com gênero e raça. Enquanto o risco de ter um câncer de pulmão é de 1 em 16 para os homens, a proporção é de 1 em 17 para mulheres. Evidentemente, quem fuma têm riscos muito maiores. Além disso, o número de casos vem caindo entre os homens nas últimas décadas, mas apenas nos últimos dez anos começou a baixar entre as mulheres. Segundo a associação norte-americana, os homens negros têm cerca de 12% mais chances de desenvolver câncer de pulmão (NSCLC) e menos propensos a desenvolver SCLC do que os homens brancos. Já as mulheres negras têm 16% menos chances de ter câncer de pulmão do que as mulheres brancas.
Prevenção e fatores de risco – A prevenção do câncer de pulmão envolve estratégias primárias e secundárias. A prevenção primária se concentra na promoção e adoção de medidas para evitar o aparecimento da doença, como reduzir a exposição a fatores de risco e ter hábitos saudáveis. A prevenção secundária se concentra na triagem ou rastreamento, com a realização de exames para identificar a doença em fases iniciais especialmente em grupos de maior risco. A detecção precoce amplia de modo importante as chances de sucesso do tratamento.
O principal fator de risco para o câncer de pulmão é, sabidamente, o tabagismo. “Nas suas mais variadas formas, como o cigarro, o charuto, o cachimbo e o narguilé, o tabagismo está relacionado a 85% dos casos de câncer de pulmão”, afirma Cézar. Nesse campo, a ameaça mais recente é o cigarro eletrônico. Nos Estados Unidos, entre 2019 e o início de 2020, quase 3 mil pessoas foram internadas com lesões pulmonares graves atribuídas ao uso de cigarros eletrônicos, condição que ficou conhecida como EVALI, do inglês e-cigarette or vaping product use-associated lung injury. No Brasil, ainda que a sua venda seja proibida, o uso do cigarro eletrônico se populariza entre os mais jovens e já se constitui um problema de saúde pública.
“Os estudos estão mostrando os riscos desse dispositivo, que expõe o constante esforço da indústria do tabaco em manter um ciclo de vício. Os cigarros eletrônicos podem ter concentrações variadas de nicotina, elevando muito as quantidades dessa substância no organismo, e outras substâncias tóxicas especialmente ao pulmão. Devemos também ficar alertas inclusive para uma possível vaporização de metais pesados, um risco que não deve ser subestimado”, adverte Galhardo.
O especialista chama a atenção para os riscos do cigarro de palha, bastante popular no meio rural e um modismo nas grandes cidades. “Alguns acreditam que é uma alternativa menos nociva, mas isso é um equívoco. A ausência de filtro permite a inalação direta da fumaça tóxica, o que tem consequências drásticas para a saúde pulmonar”, diz o cirurgião. “Parar de fumar em qualquer momento da vida traz benefícios ao pulmão mesmo para quem fumou por longos períodos. Em duas a 12 semanas, a circulação sanguínea melhora e a função pulmonar aumenta. Em um ano, o risco de doença coronariana cai pela metade. E em uma década, o risco de câncer de pulmão cai pela metade em relação a um fumante”, afirma o médico.
Hereditariedade, radioterapia, vitaminas – A hereditariedade influencia entre 10% e 15% dos casos de câncer de pulmão. “Irmãos, irmãs e filhos de pessoas que tiveram câncer de pulmão podem ter um risco ligeiramente maior de câncer de pulmão, especialmente se o parente foi diagnosticado em uma idade mais jovem”, diz Galhardo. De acordo com a ACS, não está claro quanto desse risco pode ser devido a genes compartilhados entre os membros da família e quanto pode ser pela exposição a fatores de risco em exposições domésticas compartilhadas (como fumaça de tabaco ou radônio).
À medida que os estudos avançam, novas descobertas apontam situações que elevam os riscos para a doença. As pesquisas evidenciaram, por exemplo, que pessoas submetidas à radioterapia no tórax para outros tipos de câncer, como o tratamento da doença de Hodgkin ou após uma mastectomia, têm um risco aumentado de câncer de pulmão, especialmente se fumarem. Aparentemente mulheres que receberam radioterapia na mama após uma quadrantectomia ou nodulectomia (remoção apenas do nódulo e áreas adjacentes) não têm aumento do risco maior de câncer de pulmão. E mais: ainda de acordo com a ACC, dois grandes trabalhos revelaram um aumento dos riscos para indivíduos fumantes que tomavam suplementos de betacaroteno. A sugestão dos especialistas é que fumantes devem evitar suplementos de betacaroteno.
Radônio, amianto e outras substâncias cancerígenas – A segunda principal causa de câncer de pulmão nos Estados Unidos para o câncer de pulmão e a principal causa de câncer de pulmão em pessoas que não fumam nos Estados Unidos é exposição ao radônio, de acordo com a agência norte-americana de proteção ambiental, US Environmental Protection Agency (EPA). Lá, estima-se que cerca de 20 mil mortes por câncer de pulmão por ano estejam relacionadas com a exposição ao radônio. A substância, classificada como cancerígena pela IARC, consiste em um gás que surge da decomposição natural de elementos radioativos presentes em diferentes tipos de solo e rochas em todo o mundo. A associação entre o gás e a doença foi confirmada por diversos tipos de estudos.
É importante conhecer em que circunstâncias o radônio aumenta os riscos de câncer de pulmão. Segundo os especialistas da ACS, a inalação ou ingestão potencialmente tóxicas ocorrem em situações de permanência prolongada em ambientes sem ventilação no subsolo, como minas ou porões de prédios e casas, e na manipulação de alguns materiais de construção, como o cimento e o granito.
A substância também foi encontrada em quantidades preocupantes em poços subterrâneos profundos escavados em rochas de diferentes tipos de solo. O gás geralmente se dispersa ao ar livre e não atinge níveis elevados. Diante de tais condições, A ACS considera que trabalhadores rurais, da construção civil, da mineração, das indústrias (de metais pesados, borracha, papel, vidro), mecânicos, eletricistas, pintores, soldadores, entre outros, podem apresentar um risco maior para o desenvolvimento do câncer de pulmão e devem fazer exames periódicos.
A exposição ao amianto (em minas, fábricas, fábricas têxteis e estaleiros) também eleva as chances de câncer de pulmão. A medicina ainda não conseguiu precisar os riscos oferecidos da exposição a baixas quantidades ou por curto prazo. Pessoas expostas a grandes quantidades correm também maior risco de desenvolver mesotelioma, um tipo de câncer que começa na pleura (o revestimento que envolve os pulmões).
Outros agentes causadores de câncer encontrados em ambientes de trabalho que podem aumentar o risco de câncer de pulmão são o urânio, a inalação de produtos químicos como arsênio, berílio, cádmio, sílica, cloreto de vinila, compostos de níquel, compostos de cromo, produtos de carvão, gás mostarda e éteres clorometílicos.
Poluição do ar – Nos Estados Unidos, cerca de 1% a 2% de todas as mortes por câncer de pulmão nos EUA são atribuídas à poluição do ar. Em comparação ao tabagismo, seu impacto é considerado muito menor. Mas não se trata de competição, e sim de soma. Em relação ao Brasil, um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Monash University, na Austrália, investigou o impacto da exposição prolongada a partículas muito finas em suspensão no ar que podem ser inaladas (PM2.5). Após observar os dados de mortalidade por câncer de 5.565 municípios brasileiros no período 2010-2018, os pesquisadores examinaram as associações da mortalidade por câncer com PM2.5 (as partículas em suspensão) e a sua concentração média nessas cidades. A análise desses dados mostrou que a exposição a longo prazo aos ambientes em que houve um aumento pequeno nos níveis de poluição atmosférica provocados pela queima de combustível fóssil elevou os riscos de mortalidade para diversos tipos de câncer, incluindo nasofaringe e pulmão, em torno de 16%. O trabalho foi publicado em junho de 2022 na revista Environmental Pollution.
Os principais métodos diagnósticos – O diagnóstico do câncer de pulmão combina exame clínico, exames de imagem (radiografia de tórax, tomografia computadorizada e ressonância magnética), broncoscopia (exame das vias respiratórias que permite a coleta de amostra de tecido para análise histopatológica e identificação do subtipo específico), biópsia guiada e a realização de testes moleculares para detectar mutações genéticas específicas ou biomarcadores para direcionar a melhor opção terapêutica.
A descoberta de tumores em fase inicial proporcionada melhora o prognóstico. “A taxa média de sobrevivência em cinco anos para todos os tipos de câncer de pulmão somados, independentemente do gênero ou estadiamento, é de aproximadamente 20%. Significa que apenas duas pessoas de um grupo de dez com câncer de pulmão estarão vivas em cinco anos. Para casos iniciais, a taxa de cura atinge cerca de 55% a 60% em cinco anos, apresentando uma diferença marcante”, diz o Dr. Cézar. “Isso quer dizer que, se forem diagnosticadas precocemente, seis entre dez pessoas poderão vivenciar a recuperação por meio de terapias menos invasivas, com menores sequelas e custos consideravelmente mais acessíveis”, ressalta o especialista. Para saber mais, acesse o Oncoguia. “Lembrando que as taxas de sobrevida são calculadas a partir de dados de muitos pacientes e não podem ser tomadas como um prognóstico individual”, diz o cirurgião Cézar Galhardo.
A maior atenção à prevenção e detecção precoce dos tumores de pulmão impacta também a cadeia de gastos. “O tratamento de um paciente com câncer que recebe o diagnóstico precoce, em estadiamento um e dois, é muito menos custoso e agressivo do que da pessoa que tem câncer em estadiamento três e quatro, que são etapas mais adiantadas”, diz o Dr. Cézar. De todo modo, tratar o câncer é caro. Segundo o médico, mesmo nos casos em que os tumores são descobertos em fase inicial, em que é possível realizar apenas uma cirurgia, sem a necessidade de procedimentos mais complexos, os valores envolvidos muitas vezes se equiparam aos de um ciclo de quimioterapia ou imunoterapia, atingindo patamares preocupantes”, diz o cirurgião.
As diretrizes atuais para o rastreamento – O rastreamento de pulmão consiste no encaminhamento de uma população selecionada, com critérios estabelecidos, assintomáticas para a realização de exames com objetivo de diagnosticar mais precocemente o cancer. Neste momento, a ACS e as sociedades europeias estão revisando novas evidências científicas para atualizar as diretrizes de triagem. Enquanto a revisão não está concluída, a sugestão da ACC é que os profissionais da saúde e pessoas mais vulneráveis ao câncer de pulmão sigam as recomendações recentemente atualizadas da American Academy of Family Physicians (AAFP) e da American College of Chest Physicians (AACP). Elas orientam a triagem anual com exames de tomografia computadorizada de baixa dosagem (LDCT, sigla do inglês low-dose CT) para os seguintes grupos:
– Pessoas com idade entre 50 e 80 anos que gozam de boa saúde;
– Pessoas que atualmente fumam ou pararam nos últimos 15 anos;
– Pessoas que têm um histórico de tabagismo de pelo menos 20 maços/ano. Essa conta considera o número de maços de cigarros por dia multiplicado pelo número de anos fumados. Por exemplo, se a pessoa fumou 2 maços por dia durante 10 anos [2 x 10 = 20] tem 20 maços-anos de fumo, assim como uma pessoa que fumou 1 maço por dia durante 20 anos [1 x 20 = 20].
Em todos os casos, os candidatos devem ser informados por seus médicos sobre os benefícios potenciais do rastreamento, bem como dos limites dos exames e de riscos das tomografias computorizadas de baixa dosagem.
Países como o Canadá, Croácia, Coreia do Sul e Estados Unidos possuem programas formais de rastreamento de câncer de pulmão. “O Brasil infelizmente não tem um programa de rastreamento, mas a SBCO, junto com outras sociedades, está tentando fazer que isso se torne realidade. Há questões de financiamento e estrutura, mas não pode mais ser adiado”, diz o Dr. Cézar. Para saber mais sobre a decisão de implantar programas de triagem em diversos países e suas diferentes configurações, acesse.
Quando a cirurgia é indicada – A cirurgia é frequentemente empregada quando o tumor ainda não se disseminou para regiões além do pulmão. A lobectomia, cirurgia que remove inteiramente o lobo pulmonar onde o tumor está localizado, ainda é o procedimento mais indicado para os casos iniciais. No entanto, nas situações em que os tumores medem até 2 centímetros e estiverem em área propícia, existe a possibilidade de uma retirada parcial do lobo, por meio de uma cirurgia chamada segmentectomia pulmonar anatômica. “São decisões tomadas caso a caso”, diz Galhardo. Segundo o cirurgião, os procedimentos minimamente invasivos e cirurgia robótica para a retirada de tumores e gânglios linfáticos na região intratorácica estão mudando o panorama das cirurgias de câncer de pulmão.
A chegada de medicamentos inovadores das classes das terapias alvo e imunoterapia, em associação ou não com a quimioterapia, além da evolução das técnicas e equipamentos de radioterapia aumentam as chances de controle e remissão da doença. Essas associações podem ser indicadas antes e depois das cirurgias ou na ausência dessa possibilidade. As terapias alvo são moléculas que procuram alvos específicos nos tumores, como proteínas ou genes, identificados por testes com células tumorais obtidas por biópsia ou com a ressecção do tumor. Seu objetivo é interferir em processos celulares essenciais para a progressão do câncer. A imunoterapia estimula o sistema imunológico do paciente a reconhecer e combater as células cancerígenas. Isso é feito com anticorpos e outras proteínas. “O acesso a esses avanços terapêuticos, que estão disponíveis na medicina privada e suplementar, infelizmente é limitado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Mas eles são o futuro”, descreve.
Sobre a SBCO – Fundada em 31 de maio de 1988, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) é uma entidade sem fins lucrativos, com personalidade jurídica própria, que agrega cirurgiões oncológicos e outros profissionais envolvidos no cuidado multidisciplinar ao paciente com câncer. Sua missão é também promover educação médica continuada, com intercâmbio de conhecimentos, que promovam a prevenção, detecção precoce e o melhor tratamento possível aos pacientes, fortalecendo e representando a cirurgia oncológica brasileira. É presidida pelo cirurgião oncológico Héber Salvador (2021-2023).
Texto: Moura Leite Netto* e Lídia de Santana*