Antes de mais nada, é importante ressaltar que esse é o primeiro site que está trazendo uma matéria completa sobre a corrupção e fraude em dispensa de licitação na aquisição de kits para teste do coronavirus na Secretaria Estadual de Saúde do Estado de Rondônia. Ontem, dia 19/06/2020, a reportagem entrou em contato, por telefone, com a promotora de justiça, doutora Joice Gudhy Mota Azevedo, coordenadora da Gaecri do MPE/RO, da qual falou com foi o trabalho dela e do doutor Geraldo Henrique Ramos Guimarães, promotor de justiça, membros da força tarefa, criada pela portaria de número 402/PCJ, de 24.3.2020, para atuar de forma integrada em decorrência do coronavírus. A força tarefa poderá contar com a participação de membros de promotorias de justiça especializadas da capital e interior, desde que necessário e a situação exigir, mediante solicitação da coordenação, limitado ao máximo de mais 3 (três) membros e terá atribuição em todo o Estado de Rondônia, podendo atuar em apoio às demais promotorias de justiça, desde que haja justificativa.
O objetivo do GAECRI é atuar na tutela coletiva do patrimônio público e da moralidade administrativa, na observância à contratação de bens, obras ou serviços pela administração pública através do princípio da obrigatoriedade do procedimento licitatório, conforme exigência da Constituição Federal (art. 37, XI) e Lei 8.666/93, como medida de legalidade, impessoalidade, isonomia, eficiência e moralidade, uma vez que a contratação sem realização de licitação somente é admitida nas estritas hipóteses previstas em lei, de modo que os casos de dispensa licitatória do artigo 24 da Lei 8.666/93 são, por sua natureza, excepcionais e constam de rol taxativo, devendo haver interpretação sistêmica com as disposições temporárias e excepcionalíssimas da novel Lei 13.979 de 6 de fevereiro de 2020. O artigo 24, inciso IV da Lei 8.666/93, permite que a licitação se torne dispensável nos casos de emergência ou de calamidade pública, que se restringem tão somente à situação de urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a saúde e a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, porém a verificação do que seja emergência ou calamidade não é de livre e arbitrária interpretação do gestor, mas sim deve se situar estritamente no mesmo campo semântico trazido pelo supracitado artigo 24, IV da Lei 8.666/93 (“situação de urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares”), sendo dever do gestor fundamentar a adoção de tais decretos em fatos comprovados, não estando autorizado a implementar medidas emergenciais pela simples entrada em vigência da legislação federal especial, inclusive a Medida Provisória 929/2020.
Em se tratando de desastres, a situação de emergência e calamidade pública deve ser declarada mediante decreto do chefe do Executivo, não apenas arrimado na Lei 13.979/2020 (Lei de enfrentamento ao Coronavírus), mas também com a obediência aos critérios e parâmetros da Lei 12.608/2012 (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), regulamentada pela Instrução Normativa nº 02/2016, do Ministério da Integração Nacional, dispondo esta: “Art. 2º. Quanto à intensidade os desastres são classificados em três níveis: a) nível I: desastres de pequena intensidade b) nível II: desastres de média intensidade c) nível III: desastres de grande intensidade §1º. São desastres de nível I aqueles em que há somente danos humanos consideráveis e que a situação de normalidade pode ser restabelecida com os recursos mobilizados em nível local ou complementado os com o aporte de recursos estaduais e federais. §2º. São desastres de nível II aqueles em que os danos e prejuízos são suportáveis e superáveis pelos governos locais e a situação de normalidade pode ser restabelecida com os recursos mobilizados em nível local ou complementados os com o aporte de recursos estaduais e federais §3º. São desastres de nível III aqueles em que os danos e prejuízos não são superáveis e suportáveis pelos governos locais e o restabelecimento da situação de normalidade depende da mobilização e da ação coordenada das três esferas de atuação do sistema Nacional de proteção e defesa civil (SINPDEC) e, em alguns casos, de ajuda internacional. §4º. Os desastres de I e II ensejam a decretação de situação de emergência, enquanto os desastres de nível III a de estado de calamidade pública. Art. 3º. Os desastres de nível III são caracterizados pela ocorrência de ao menos 2 danos, sendo um deles obrigatoriamente danos humanos que importem no prejuízo econômico público ou no prejuízo econômico privado que afetem a capacidade do poder público local em responder e gerenciar a crise instalada; Art. 4º. Os desastres de nível III são caracterizados pela concomitância na existência de óbitos, isolamento da população, interrupção de serviços essenciais, interdição ou destruição de unidades habitacionais, danificação ou destruição de instalações públicas prestadoras de serviços essenciais e obras de infraestrutura pública.
A falta de enquadramento de uma situação fática nos conceitos de emergência ou calamidade pública trazidos pela Lei. 8.666/93 (artigo 24, IV) ou na Instrução Normativa e Decreto supra torna absolutamente nulos o Decreto Executivo, o Processo de Dispensa Licitatória e o Contrato Administrativo que em tal situação tenham se fundado, por manifesta falsidade do motivo, desvio da finalidade, ilegalidade do objeto e violação dos princípios da legalidade, impessoalidade, isonomia e eficiência que permeiam o princípio da obrigatoriedade das licitações. A Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, estabelece no art. 4º que é dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. A referida lei estabelece no § 1º do art. 4º que a dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Excepcionalmente, será possível a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido, conforme § 3º do art. 4º da referida Lei, disposição normativa incluída pela Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020. A Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, incluiu na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o art. 4º-B que estabelece que nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se atendidas as condições de: ocorrência de situação de emergência; da necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência, o qual admitiu a adoção de termo de referência simplificado ou de projeto simplificado, tendo, dentre outros, o seguinte requisito, estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros: a) Portal de Compras do Governo Federal; b) pesquisa publicada em mídia especializada e; c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) contratações similares de outros entes públicos; ou e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; podendo excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, ser dispensada a estimativa de preços. A atuação do Ministério Público na fiscalização contemporânea de políticas públicas objetiva evitar a dilapidação do patrimônio público em momento tão grave vivenciado pela sociedade brasileira e pelo mundo, devendo o órgão do Ministério Público atuar de forma ponderada, contemporânea e preventiva, buscando garantir a transparência e o acesso à informação em relação às políticas adotadas para combate ao Novo Coronavírus em cada município.
A GAECRI tem a função de analisar, acompanhar e fiscalizar as aquisições e contratações em regime de urgência do Estado de Rondônia, em razão do volume e valores, pois a situação de emergência pública não poderá ser utilizada como pretexto para facilitar a malversação dos recursos públicos – sendo mister fomentar a cidadania e o controle popular pela adequada informação, agindo o Poder Público com o máximo de transparência. O § 2º do art. 4º da Lei Federal nº 13.979/2020, dispõe que todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nessa Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas, como o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.
No dia 04/05/2020, os dois promotores Joice Gudhy Mota Azevedo e Geraldo Henrique Ramos Guimarães, membros do GAECRI, ingressaram com pedido de tutela de urgência em caráter antecedente de indisponibilidade de bens (valores), em face de Buyerbr Serviços e Comércio Exterior, inscrita no CNPJ n° 21.533.430/0001-49, com sede localizada na Rua Safira, 3468, Jardim dos Camargos, Barueri, SP, CEP 06410- 200; Cibele Oliveira e Oliveira, brasileira, casada, sócia proprietária da empresa Buyerbr Serviços e Comércio Exterior LTDA, filha de Maria de Fátima Oliveira e Silva e Luciano da Silva, residente e domiciliada na Rua da Liberdade, número 620, Vila Boa Vista, Barueri – SP; Maria de Fatima Oliveira, brasileira, viúva, sócia proprietária da empresa Buyerbr Serviços e Comércio Exterior, filha de Helena Alves de Oliveira e Antônio Gonçalves de Oliveira, residente e domiciliada na Rua da Liberdade, n° 620, Vila Boa Vista, Barueri e Level Importação, Exportação e Comércio, inscrita no CNPJ 09.396.439/0001-50, com sede localizada na Rodovia Antônio Heil, número 800, km 1, sala 04, Bairro Itaipava, Itajaí, SC, postulando o deferimento em caráter antecedente, sem ouvir a parte contrária, do pedido de indisponibilidade de bens e valores para, via acionamento do Banco Centrai, através do sistema Bacenjud, decretar o bloqueio judicial de valores depositados em Instituições bancárias em nome das requeridas Buyerbr Serviços e Comércio Exterior, Cibele Oliveira e Maria de Fatima Oliveira, em valor equivalente ao pagamento adiantado pelo Estado de Rondônia, qual seja, R$ 3.150.000,00 (três milhões e cento e cinquenta mil reais) e subsidiariamente, caso seja frustrado o bloqueio de valores pela constatação de ausência de saldo na conta bancária das requeridas apontadas no item a, seja deferido, em caráter antecedente, o pedido de indisponibilidade de bens e valores para, via acionamento do Banco Central.
O processo foi autuado sob o número 7017363-88.2020.8.22.0001, tramitando na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual, da qual é titular o magistrado Edenir Sebastião A. da Rosa. Ontem, dia 19/06/2020, Maxwel Mota de Andrade, procurador do Estado de Rondônia, peticionou nos autos informando o que segue: “Conforme informado na petição do dia 26 de maio de 2020 e reafirmado em audiência, o Estado de Rondônia abriu o SEI nº 0036.199893/2020-86, com vistas a apuração e responsabilização da empresa requerida por descumprimento contratual, tendo sido aplicado uma multa de 10 % (dez por cento) sobre o valor total da contratação pelo atraso, respectivamente, de 20 (vinte) e 28 (vinte e oito) dias na entrega dos materiais, nos termos do item 8 do Termo de Referência, bem como realizou a retenção das despesas com voo do Corpo de Bombeiros à cidade de São Paulo e retenção da diferença entre o preço contratado de R$ 105,00 (unitário) e o preço da outra empresa que estava apta para ser contratada – com proposta contendo prazo maior para entrega – R$ 94,00 (noventa e quatro reais)”. Ele também apresentou uma tabela explicativa sobre valores que são estas que aparecem a seguir:
DIFERENÇA R$ 94,00 R$ 1.100.000,00
VALOR HORA/VOO R$ 40.000,00
DIÁRIAS SERVIDORES R$ 18.810,00
MULTA 10% R$ 1.050.000,00
TOTAL DEDUÇÕES R$ 2.208.810,00
VALOR DEDUZIDO R$ 8.291.190,00
VALOR BLOQUEADO JUDICIALMENTE R$ 3.150.000,00
VALOR REMANESCENTE R$ 5.141.190,00
Por derradeiro, registra-se que o processo em comento não é segredo de justiça e tivemos toda a precaução antes de comentar e publicá-lo na íntegra, para conhecimento da população do Estado de Rondônia, sobre o brilhante trabalho dos dois promotores, com apoio irrestrito do procurador-geral de justiça, que não está medindo esforço de colocar toda estrutura do Ministério Público do Estado de Rondônia à disposição da sociedade para o enfrentamento de ilicitudes ligadas a fraudes em processos administrativos, principalmente esse de mais de dez milhões reais destinados para a aquisição de kits de teste ao coronavirus. No rodapé desta matéria, todos os arquivos em PDF contando como ocorreram os fatos que culminaram com a retenção de parte do dinheiro e o fim do processo viciado e contaminado, arranjado em apenas 04 (quatro) dias, sem licitação, sem publicidade, porém os promotores que estão atuando no caso tiveram muito êxito de evitar uma sangria significativa aos cofres públicos.
Da redação – Planeta Folha