Por ter entrado com pedido errado, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, negou, no dia 20/05/2020, para que o excesso de arrecadação fique somente com a Fazenda Pública Estadual. O pedido foi indeferido porque a ação intentada está equivocada, ou seja, não é cabível o ingresso de reclamação à análise de suposta desconformidade de ato com o direito objetivo. Para o relator, caso entenda pertinente, o procurador geral do Estado de Rondônia deve utilizar o meio processual próprio, seja judicial ou administrativo, para fazer valer os seus argumentos. A reclamação foi autuada no STF sob o número 40.428, relacionada à ADI, distribuída nos 0802489-90.2020.8.22.0000, originária do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Veja abaixo a íntegra da decisão do ministro.
Trata-se de reclamação, com pedido liminar, ajuizada pelo Estado de Rondônia, com fundamento no art. 102, I, l, da CF, em face da decisão cautelar proferida na Representação de Inconstitucionalidade nº 0802489-90.2020.8.22.0000, que suspendeu a eficácia do art. art. 2º da Lei estadual 4.732 de 2020. No caso, o artigo determinava a devolução para o Poder Executivo dos saldos advindos do excesso de arrecadação no exercício anterior dos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Contas, até o final do primeiro quadrimestre do presente ano.
O reclamante alega que a presente reclamação se pauta em três fundamentos distintos: (i) a necessidade de se preservar a competência da Corte Suprema quando mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; (ii) a necessidade de se preservar a competência do STF para análise da constitucionalidade de leis estaduais cotejadas com o parâmetro de constitucionalidade da Constituição Federal – CF, e (iii) a necessidade de garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal em controle abstrato de constitucionalidade. É o relatório. Decido.
A autoridade reclamada encaminhou informações. A Procuradoria-Geral da República, em seu parecer, opina para que seja negado seguimento à reclamação. Deixo de determinar a citação da parte beneficiária da decisão reclamada, em face da inviabilidade do presente pedido. Não assiste razão à parte reclamante, tendo em vista que a reclamação dirigida a esta Corte só é cabível quando se tratar de usurpação de sua competência ou de ofensa à autoridade de suas decisões (art. 102, I, l , da Constituição).
Inicio pela análise da alegação de usurpação da competência desta Corte para análise do mérito da representação de inconstitucionalidade ajuizada contra lei estadual, por estarem os parâmetros da referida ação previstos na Constituição Federal. O argumento não se sustenta, haja vista que os parâmetros para análise do feito também estão previstos na Constituição do Estado de Rondônia, como normas de repetição obrigatória, de modo que não há usurpação da competência no presente feito. Nesse sentido, veja-se o trecho da Rcl 6.344-ED, de minha relatoria:
O Supremo Tribunal Federal firmou sua orientação no sentido de que o controle de constitucionalidade por via de ação direta, quando exercido pelos Tribunais de Justiça, deve limitar-se a examinar a validade das leis à luz da Constituição do Estado, o que não impede que a respectiva decisão seja embasada em norma constitucional federal que seja de reprodução obrigatória pelos Estados-membros.
O reclamante alega, ainda, usurpação da competência desta Corte em razão de mais da metade do Tribunal de origem estar supostamente suspeita para análise do feito, pois haveria interesse local dos membros do Tribunal na controvérsia. O argumento igualmente não procede. Tal como assentou o parecer da PGR, “é desimportante, para fins de competência, que a lei impugnada apresente potencial repercussão na esfera de interesse do Judiciário local. O art. 102, I, ˆnˆ, da Constituição Federal não abrange, portanto, a representação de inconstitucionalidade estadual, precisamente porque a índole dessa ação não contempla hipótese em que ‘membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessado’”. Ademais, a jurisprudência do STF tem entendido que, quando há interesse de vários órgãos envolvidos, a competência para análise do feito não é desta Corte, por não ser exclusivo da magistratura ou do Tribunal de origem. Na presente reclamação, a legislação estadual e a consequente decisão cautelar reclamada atingem, também, o Poder Legislativo, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas. Nesse sentido, veja-se o seguinte trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes na Rcl 30.885:
“De outra banda, numa análise mais aprofundada da matéria, não há como concluir que a discussão posta nos autos, acerca da manutenção da autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário paraibano, atrai somente o interesse de todos os membros da magistratura local. Isso porque a discussão acerca do pagamento das despesas do Tribunal transcende o interesse da magistratura, uma vez que envolve também interesse dos demais servidores.
Nesse corolário, a jurisprudência desta Corte já se manifestou no sentido de que para a instauração de competência originária do Supremo, com fundamento no art. 102, I, n, da Constituição Federal, é preciso que o interesse em causa seja privativo da magistratura, não incidindo o preceito constitucional quando a questão debatida seja também de interesse de outros servidores públicos (AO-QO 468, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 15.8.1997; AO 467, Rel. Min. Néri da Silveira, Pleno, DJ 3.10.1997; AO-AgR 955, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 7.3.2003; AO 21 QO, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 6.9.2001; RCL-AgR 1.952, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 12.3.2004).
Ainda nesse sentido, destaco os seguintes precedentes, em situações semelhantes, conforme se verifica da Rcl-AgR 12.808, de minha relatoria; Rcl-AgR 16.529, Rel. Min. Rosa Weber; e Rcl-AgR 21.794, Rel. Min. Luiz Fux, assim ementada: ‘AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. INCOMPETÊNCIA DO STF PARA JULGAMENTO DA AÇÃO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF SOMENTE NAS HIPÓTESES DE INTERESSE DA TOTALIDADE DOS MEMBROS DA MAGISTRATURA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
A competência originária do Supremo Tribunal Federal, prevista no art. 102, I, n, da Carta Magna, reclama a presença, cumulativamente, de dois requisitos: (i) a existência de interesse de toda a magistratura; (ii) que esse interesse seja exclusivo dos magistrados. In casu, a demanda atinge apenas os interesses de membros da magistratura que estejam sujeitos à incidência de imposto de renda sobre verba indenizatória. Agravo regimental desprovido. ’
Acrescente-se ainda que esta Corte já se manifestou acerca do tema, nos seguintes termos: ‘COMPETÊNCIA – ALÍNEA N DO INCISO I DO ARTIGO 102 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – NATUREZA DO PRECEITO. O preceito da alínea n do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal retrata exceção. Indispensável é que haja o interesse direto ou indireto de todos os membros da magistratura ou que mais da metade dos que integram o Tribunal estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados no desfecho da ação. Isso não ocorre, presente mandado de segurança impetrado por entidade sindical, quanto ao encaminhamento de proposta de lei orçamentária pelo Executivo estadual à Assembleia, ainda que modificado o que previsto inicialmente pelo Tribunal de Justiça’. (MS-AgR 28435, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, DJe 4.5.2011).
Assim, tendo em vista a inexistência de afronta à decisão proferida por esta Corte, não se vislumbra, no caso, nenhuma das hipóteses previstas para o cabimento da reclamação. ” 10.Desse modo, não há usurpação de competência desta Corte, exigência imprescindível para o cabimento da presente ação. Ademais, o reclamante não demonstra a existência de decisões com efeito vinculante proferidas pelo Supremo Tribunal que tenham sido violadas pelo Tribunal de origem, de modo que não se faz presente a necessidade de garantia da autoridade das decisões apta a gerar a reclamação.
Ressalto, por fim, que a inadmissão da reclamação não implica, necessariamente, a afirmação de acerto do ato reclamado, mas apenas que a reclamação não se presta à análise de suposta desconformidade de ato com o direito objetivo. Caso entenda pertinente, o reclamante deve utilizar meio processual próprio, seja judicial ou administrativo, para fazer valer os seus argumentos. Nas palavras do Ministro Luiz Fux, a “reclamação não se qualifica como sucedâneo recursal nem configura instrumento viabilizador do reexame do conteúdo do ato reclamado, eis que tal finalidade se revela estranha à destinação constitucional subjacente à instituição dessa medida processual” (Rcl 4.637-AgR, Rel. Min. Luiz Fux). Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do STF, nego seguimento à reclamação, ficando prejudicado o exame do pedido cautelar. Sem honorários, porquanto não citada a parte interessada. Publique-se. Brasília, 20 de maio de 2020. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO. Relator”.
Da redação – Planeta Folha