No 24/maio/2019, a promotoria de São Miguel do Guaporé ingressou um uma ação civil pública de ressarcimento ao erário público em face de Lauri Pedro Rockenbach, ex-assessor contábil da administração do ex-prefeito Ângelo Fegalli. Nos autos de número 7000327.09.2016.822.0022, narra a justiça pública que o ex-contador executou o cancelamento de 75 (setenta e cinco) empenhos, referentes a diferentes processos, que juntos totalizam o valor de (um milhão, cento e oitenta e sete mil, setenta e sete reais e dez centavos). Frisa que em 11 de outubro de 2017, chegou a conhecimento da justiça pública de São Miguel do Guaporé, através do Ofício n.º 0818/2017-GP, remetido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, notícia de cancelamento indevido de empenhos, cujas despesas já se encontravam devidamente liquidadas, no montante de R$ 1.187.077,10 (um milhão, cento e oitenta e sete mil, setenta e sete reais e dez centavos), perpetrados pelo ex-assessor contábil, de modo que sua conduta resultou em sua condenação ao pagamento de multa pelo Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, conforme Acórdão APL-TC 420/17 incluso aos autos n.º 326/14/TCE-RO.
As condutas perpetradas pelo Demandado alhures mencionado configuram-se como atos de improbidade administrativa, por terem violado os princípios que regem a administração pública, notadamente a legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, os quais serão esmiuçados doravante. Visando melhor apurar tais fatos, fora instaurado Inquérito Civil Público n. 001/2018/PJ-SMG de número 2017001010025165), que serve de arrimo à presente Ação Civil Pública. No curso do referido apuratório, restou constatado que, no período compreendido entre 21 de novembro de 2012 a 31 de dezembro de 2012, o Demandado LAURI PEDRO ROCKENBACH, Assessor Contábil de São Miguel do Guaporé-RO à época dos fatos, executou o cancelamento de 75 (setenta e cinco) empenhos, referentes a diferentes processos, que juntos totalizam o valor de R$1.187.077,10 (um milhão, cento e oitenta e sete mil, setenta e sete reais e dez centavos). Para melhor compreensão do alegado, observemos a seguinte tabela, elaborada nos autos do processo número 326/14/TCE-RO, que apurou e constatou os indevidos cancelamentos: Segundo as investigações da Exímia Corte de Contas Estadual, os referidos empenhos já haviam sido liquidados pelo setor de despesa municipal, e, sem razão legal aparente e comprovada, foram cancelados por LAURI PEDRO ROCKENBACH. Ademais, as notas de anulação de todos os empenhos eram identificadas com o número “1”, e a “justificativa” inclusa está pautada na alegada insuficiência financeira, sendo que tal, por seu turno, não foi comprovada em nenhum dos casos.
Destarte, com fulcro nas alegações retromencionadas, passo à análise e demonstração circunstanciada dos atos perpetrados pelo Demandado, por amostragem de algumas das anulações de empenho já liquidados e certificados, vejamos. No mês de maio de 2012 foi deflagrado o processo licitatório n.º 576/2012, tendo por objeto a aquisição de dois bebedouros industriais para atender a necessidade da Pré-Escola Tio Teco e da Creche Municipal João Manoel Galina, cuja solicitação originou-se por intermédio da Secretaria Municipal de Educação. No decorrer de seu regular trâmite, foram emitidas duas notas de empenho (n.º 1009/12 e 787/12), ambas contendo a empresa Novalar LTDA (CNPJ n.º 04.771.481/0011-61), no montante de R$ 7.880,00 (sete mil e oitocentos e oitenta reais). Vejamos: Como se pode notar, os bebedouros foram devidamente adquiridos no bojo do referido certame, conforme se verifica da nota fiscal emitida pela empresa credora: No entanto, em 31 de dezembro de 2012, o empenho n.º 1009/2012 foi cancelado, sob o argumento “insuficiência financeira”: Similarmente ocorreu no bojo do processo licitatório n.º 517/2012, detentor do objeto de aquisição de peças para revisão dos 10.000 (dez mil) quilômetros rodados, referente aos veículos do modelo Prisma, placas NBK-4603 e NBK-5563, para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Educação, sendo vencedora a empresa Vemaq Veículos e Maquinários. Em seu curso, foram emitidas três notas de empenho (n.º 685/12, 936 e 937/12), que, somadas, totalizam o valor de R$ 1.466,50 (um mil e quatrocentos e sessenta e seis reais e cinquenta centavos). 5º, caput e inc. I), a função administrativa nela baseada também deverá fazê-lo, sob pena de cometer-se desvio de finalidade, que ocorre quando o administrador se afasta do escopo que lhe deve nortear o comportamento – o interesse público (Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Editora Lumen Juris, 2009, p. 20). No presente caso, o Assessor Contábil à época dos fatos, LAURI PEDRO ROCKENBACH violou escancaradamente as normas dos dispositivos da Lei de Direito Financeiro vigente, qual seja, a Lei 4.320/1964, especialmente no que tange ao dispositivo 58, relativo às despesas, o qual preceitua que “O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implementação de condição”.
Tem-se, portanto, que o empenho é um ato respaldado na Lei Orçamentária respectiva, a ser emanado pela autoridade pública competente para tanto, situação esta que, após criado, vincula o ente público ao pagamento da dívida assumida, ainda que pendente de cumprimento de alguma obrigação. Partindo de tal premissa, ressai do contexto do Diploma Financeiro em tela, que o pagamento do empenho se materializará após a análise do gestor da pasta financeira acerca do direito do credor ao recebimento dos valores, obtidos através da prestação de algum serviço ou aquisição de produto, através do processo licitatório pertinente. Após, surge a figura da liquidação da despesa, corporificada por meio do documento denominado “nota de liquidação de empenho”. Só então ocorrerá a obrigação do ente em efetuar o pagamento. In verbis, vejamos como a lei instituidora das normas gerais de direito financeiro (Lei 4.320/1964), apregoa a respeito das despesas públicas e suas respectivas liquidações: Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação. Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito. § 1° Essa verificação tem por fim apurar: I – a origem e o objeto do que se deve pagar; II – a importância exata a pagar; III – a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação. § 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base: I – o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo; II – a nota de empenho; III – os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço.
Pelo que se nota, toda despesa da administração pública será efetuada mediante o chamado empenho, que é o documento emitido pela autoridade pública competente, em que consta uma obrigação para o ente ao pagamento ao credor de condição pendente ou não de implementação. Após verificada as condições e a regularidade, o empenho é encaminhado para pagamento, o que se denomina “liquidação”. José Afonso da Silva2 leciona em sua sobre matéria de empenhos, razão pela qual indico, nesta oportunidade, a leitura das próximas linhas para melhor compreensão: “Consiste na reserva de recursos na dotação inicial ou no saldo existente para garantir a fornecedores, executores de obras ou prestadores de serviços pagamento pelo fornecimento de materiais, execução de obras ou prestação de serviços. Segundo a lei 4.320/64, o empenho de despesa é ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado (União, Estados ou Municípios) obrigação de pagamento, pendente ou não de implemento de condição (art. 58). Materializa-se pela emissão de um documento denominado nota de empenho, que indicará o nome do credor, a especialização e a importância de despesa, bem como a dedução desta do saldo da dotação própria (art. 61)”. Nessa ordem de ideias, existindo obrigação de pagar, esteja ou não pendente de cumprimento de condição, deve haver empenho, e, em adequada ocasião sua liquidação e pagamento. Deve, então, o ente respeitar todas as etapas, salvo em caso expressamente previsto em sentido contrário, ocasião em que deverá constar justificativas pautadas nas disposições legais. Não é atoa que as premissas legais expostas acima foram inseridas no ordenamento jurídico. Isto porque, na criação da ideia de liquidação da despesa, nela foi reunido o dever do ente público na verificação do direito adquirido, por meio da constatação da efetiva prestação de serviço ou entrega de mercadoria, para só então efetuar o respectivo pagamento. Logo, pretendeu o legislador garantirlhes status de ato extraordinário, e como tal, eventual cancelamento deve estar propriamente justificado em seus termos.
Ademais, a remansosa jurisprudência das Cortes de Contas e dos Tribunais de Justiça deglutiam o entendimento uníssono sobre a vedação da prática de cancelamento de empenho após realizada sua liquidação. A exemplo, vejamos o precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: MANDADO DE SEGURANÇA. PERDA DO OBJETO. DECRETO Nº. 36.182 DE 23.12.14. CANCELAMENTO DE NOTAS DE EMPENHO. DESPESAS EMPENHADAS LIQUIDADAS E EM VIAS DE LIQUIDAÇÃO. RESTOS A PAGAR PROCESSADOS. INCLUSÃO. I O término do exercício financeiro de 2014 não constitui fato extintivo do interesse de agir do impetrante que teve suas notas de empenho canceladas, pois o processo ainda é útil e necessário para reconhecer a ilegalidade apontada e determinar a inclusão em restos a pagar ou despesas de exercícios anteriores. II – Não se admite o cancelamento de empenho referente a despesas liquidadas e em vias de liquidação, isto é, aquelas cuja a entrega dos bens ou o fornecimento dos serviços já foi iniciada ou realizada, estando o particular apenas aguardando os procedimentos para a efetiva verificação do seu adimplemento, para, então, receber o pagamento. Há desvio de finalidade, com a consequente nulidade do ato, o cancelamento de notas de empenho não em razão da ausência de disponibilidade financeira ou por falta de interesse administrativo em mantê-los, mas para afastar a incidência do art. 42 da LRF, que veda a assunção de despesas sem disponibilidade financeira nos dois últimos quadrimestres do mandato do Governador. Concedeu-se parcialmente a segurança. (TJ-DF – MSG: 20140020333658, Relator: JOSÉ DIVINO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 18/12/2015, Conselho Especial, Data de Publicação: Publicado no DJE : 03/02/2016 . Pág.: 22). (Grifos nossos). À guiza disso, se houve o efetivo cumprimento da obrigação nos termos pactuados, denota-se que a despesa percorreu o regular trâmite de empenho e liquidação, não há que se falar em discricionariedade do servidor para a exclusão do direito ao recebimento dos valores, em homenagem ao fiel cumprimento dos princípios da administração pública, especialmente o da legalidade.
Malgrado a existência da viabilidade do cancelamento de despesas ao findar do exercício financeiro, rememoro que inexiste disposição legal permissora do cancelamento de despesas liquidadas. Lado outro, a Lei n.º 4320/1964 entabula, em seu art. 36, a figura do “restos a pagar processados e não processados”, que ocorre quando ainda existe pendência de pagamentos em empenhos ainda não liquidados até o findar do ano de exercício, o que não ocorreu no presente caso. Se assim não fosse, os cancelamentos de empenhos ao bel prazer do agente público gerariam efeito de enriquecimento sem causa do Estado às expensas de seus credores, situação esta expressamente inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro. Como se depreende dos fatos narrados na presente exordial, a ação do Demandado LAURI PEDRO ROCKENBACH, afastou-se dos objetivos acima indicados, em desconformidade com as previsões legais vigentes, em especial os artigos 58, 62 e 63 da Lei 4.320/1964, os quais regulam expressamente como ocorrerão os pagamentos de empenho e que tais não devem ser cancelados ao bel prazer do servidor ou autoridade pública. No caso sob comento, o Demandado assinou o cancelamento de 75 (setenta) e cinco empenhos, encartados em processos licitatórios diversos. III.III. DA OFENSA Com base em todos os fatos e fundamentos acima elencados, o Ministério Público do Estado de Rondônia requer a Vossa Excelência o que se segue: a) seja expedida notificação prévia ao Demandado para que, querendo, ofereça manifestação por escrito, no prazo de quinze dias, podendo juntar documentos e apresentar justificativas (art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92); b).
Em seguida, apresentada ou não a defesa preliminar, pugnase pelo recebimento da presente peça inaugural, determinando-se a citação do Demandado para, querendo, apresente contestação, (art. 17, § 9º, da Lei n. 8.429/92); c) Pugna-se, outrossim, pela citação do Município de São Miguel do Guaporé/RO, na pessoa de seu Procurador Municipal, para, querendo, integrar a lide como litisconsorte ativo, conforme previsto no art. 17, § 3º, da Lei nº 8.429/92; d) Considerando a proibição expressa constante no artigo 17, §1º, da LIA, quanto à realização de transação, acordo ou conciliação, seja designada audiência de instrução para produção de prova oral, qual seja, depoimento pessoal das testemunhas: Fllávia Almeida Lima e Mara Célia Assis Alves (fls. 70/78); e) Requer seja oficiado ao Departamento de Recursos Humanos – DRH, do Município de São Miguel do Guaporé, para que sejam remetidos aos autos os contracheques referentes aos três últimos meses de pagamento do servidor, visando balizar o pagamento de eventual multa civil; f) Requer a juntada aos presentes autos do Inquérito Civil Público n.º 01/2018 (n.º 2017001010025165), com vistas a subsidiar a presente Ação Civil Pública; g) E, ao final, requer-se seja julgado procedente o pedido formulado na presente demanda, para condenar o Demandado LAURI PEDROROCKENBACH pela prática dos atos de improbidade administrativa que afrontaram os Princípios da Administração Pública (artigos 11, da Lei nº. 8.429/1992); outrossim, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e advocatícios, e outras despesas (art. 18, Lei n. 7.347/85) e, em caso de procedência, a condenação dos réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais. Protesta-se provar os fatos aqui alegados por todos os meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico”, finalizou a promotoria.
Da redação – Planeta Folha