A ampliação de gastos públicos para financiar investimentos e programas sociais está na alma das propostas para a economia do agora presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
O país que o petista assumirá em janeiro de 2023, entretanto, estará em um cenário bem diferente daquele que teve nas mãos entre 2003 e 2010, quando foi presidente pela primeira e pela segunda vez e o mundo vivia uma década de fartura e crescimento.
Agora, Lula encontra uma economia global à sombra de uma recessão e um Brasil ainda altamente endividado e sem dinheiro livre para novos investimentos.
São estas algumas das amarras que irão impor ao ex e futuro presidente seus principais desafios na gestão da economia do país, de acordo com economistas consultados pelo CNN Brasil Business. São restrições que tornarão também mais difícil a tarefa de transformar suas promessas em realidade.
“Os próximos quatro anos serão desafiadores”, disse o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
“Com a aceleração da inflação no mundo desenvolvido, será um período de políticas contracionistas e, se não de recessão, certamente de desaceleração substancial, o que vai reduzir também a taxa de crescimento do Brasil.”
Piora, ainda, o cenário para Lula o fato de encontrar um Congresso em que o número de senadores e deputados alinhados ao presidente Jair Bolsonaro cresceu. Isto significa uma oposição mais sólida e uma necessidade ainda maior de negociação e concessões.
A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, destaca que as próprias alianças formadas por Lula são algo que deve força-lo a abrir mão de parte de suas intenções.
“Ele tem a necessidade de fazer muita coalização e colocar muita gente diferente no mesmo barco, o que força ao centrismo”, afirmou. “Isso aumenta o risco de uma certa paralisia no governo.”
Desafio fiscal
“O principal problema de qualquer pessoa que assumir ano que vem é a situação fiscal, que continua não resolvida no Brasil”, disse Fernando Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Barbosa menciona a dívida pública muito alta para uma economia emergente, próxima de 80% do PIB, e a sucessão de anos que o país já acumula com as contas no vermelho, ou seja, gastando mais do que arrecada, o que redunda em mais aumento da dívida.
Isso, explica o economista da FGV, deixa investidores nacionais e internacionais em alerta e, caso não sejam dados sinais de controle dos gastos, vai tornando cada vez mais difícil ao país a tarefa de atrair capital e pegar recursos emprestados com esses agentes.
“Os investidores querem saber se existe ou não a sustentabilidade da dívida”, disse Barbosa, que também foi secretário do Ministério da Fazenda e da Economia nos governos de Dilma Rousseff e de Bolsonaro.
“O discurso de Lula é de aumento de gastos, mas, se não houver um ajuste, a realidade, bem ou mal, vai se impor – vai ter elevação do risco país, mais taxa de juros e mais depreciação cambial”, completou.
O que Lula prometeu
Entre as principais propostas apresentadas por Lula estão um novo Bolsa Família no valor mínimo de R$ 600, como o atual Auxílio Brasil de Bolsonaro, a retomada dos investimentos públicos em infraestrutura e a isenção do imposto de renda para todos que ganham menos de R$ 5.000 por mês.
Também é pilar importante de suas promessas a retomada dos reajustes acima da inflação para o salário mínimo, política que permeou todos os anos de gestão petista e que, desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, está suspensa. De lá para cá, o piso nacional está congelado em termos reais.
Cada reajuste no salário mínimo é uma das principais fontes de aumento dos gastos do governo, já que implica em um crescimento imediato em boa parte de sua gigante folha de salários, aposentadorias e benefícios sociais, quase todos atrelados ao mínimo.
Para Alessandra, da Tendências, será difícil Lula bancar todo esse expansionismo, em especial a permanência de um auxílio social a R$ 600, sem aumentar imposto em alguma frente.
“Hoje há fatores que estão ajudando a receita, mas que vão perder força, como os preços das commodities e a inflação alta”, disse ela. “Então vai ser inevitável um aumento de carga tributária para arcar com todos esses gastos.”
A taxação de dividendos, citada tanto por Lula quanto por Bolsonaro, ou outra forma de imposto sobre as rendas mais altas, são possibilidades mencionadas por Alessandra.
Lula também insiste que irá rever a regra do teto de gastos, dispositivo criado em 2016 que bloqueia o governo de ampliar seus gastos acima da inflação e que, para investidores e mercado financeiro, é peça fundamental para manter a credibilidade do país.
Sem ainda ter apresentado quem formará sua equipe econômica, o presidente eleito também não deu detalhes de como seria esta revisão da regra fiscal.
Ampliar novamente a participação dos bancos públicos, como o BNDES, nos financiamentos às empresas e projetos, e revisar a reforma trabalhista, que flexibilizou as regras de contratação em 2017, são outras propostas que estão na lista do petista.
Longo prazo
Para José Marcio Camargo, da Genial, o principal problema caso Lula enverede para uma agenda econômica de expansão de gastos sem racionalidade está no longo prazo.
O teto de gastos e as reformas trabalhista e da Previdência, além de regulamentações como o novo marco do saneamento e a autonomia do Banco Central, são alguns dos avanços mencionados por Camargo nesse período.
“As reformas dos últimos seis anos foram fundamentais para a retomada do crescimento. Reverte-las significa reduzir a taxa de crescimento de longo prazo do país”, disse.