A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, na noite desta segunda-feira (12/4), trechos de quatro decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, em fevereiro, que flexibilizaram as regras do acesso e da compra de armamentos e munições.
As novas regras que constavam dos atos presidenciais passariam a valer nesta terça-feira (13). Weber decidiu anular as normas de forma monocrática, já que não seria possível julgar o tema no plenário da Corte antes de os decretos entrarem em vigor. De qualquer forma, a decisão da ministra terá de ser votada por todos os integrantes da Corte, que podem referendar ou derrubar a liminar expedida pela magistrada.
De acordo com Weber, “os decretos, ao reformularem a Política Nacional de Armas, excederam aos limites constitucionais inerentes à atividade regulamentar do chefe do Poder Executivo”. “Esses atos estatais, ao inovarem na ordem jurídica, fragilizaram o programa normativo estabelecido na Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento, que inaugurou uma política de controle responsável de armas de fogo e munições no território nacional”, salientou.
“Inúmeros estudos, nacionais e internacionais, públicos e privados, apoiados por expressiva maioria da comunidade científica mundial, revelam uma inequívoca correlação entre a facilitação do acesso da população às armas de fogo e o desvio desses produtos para as organizações criminosas, milícias e criminosos em geral, por meio de furtos, roubos ou comércio clandestino, aumentando ainda mais os índices gerais de delitos patrimoniais, de crimes violentos e de homicídios”, acrescentou a ministra.
Mais armas a civis
Weber revogou 13 trechos dos decretos assinados por Bolsonaro. Um deles autorizava que cidadãos comuns possam comprar até seis artefatos de fogo — antes, o limite era de quatro por pessoa. Outra norma suspensa por Weber é a que permitia o porte simultâneo de duas armas por cidadãos.
A ministra ponderou que é “irrazoável e desproporcional conferir a pessoas comuns, acaso sem treinamento adequado, a faculdade de portar armas em quantidade equiparável àquela utilizada por militares ou policiais em suas atividades funcionais”.
“Entendo que a livre circulação de cidadãos armados, carregando consigo múltiplas armas de fogo, atenta contra os valores da segurança pública e da defesa da paz, criando risco social incompatível com os ideais constitucionalmente consagrados que expressam, por exemplo, o direito titularizado por todos de reunirem se, em locais abertos e públicos, pacificamente e sem armas”, justificou.
CACs
Ela também suspendeu o trecho que ampliava a quantidade de armas que podem ser adquiridas por atiradores, caçadores e colecionadores (os chamados CACs): 60, 30 e 10, respectivamente, sem a necessidade de autorização expressa do Comando do Exército.
Outra parte dos decretos derrubada por Weber é a que aumentava o limite de compra por ano, dos CACs, de munição e insumos para recarga. Para cada arma de fogo de uso restrito, estaria permitida a aquisição de até mil unidades de munição e insumos para recarga de até dois mil cartuchos. Já para armas de uso permitido, seriam até 5 mil unidades de munição e insumos para recarga de até 5 mil balas.
Para a ministra, o aumento do número de munições adquiridas pelas categorias “representa um agravamento do risco de desvio desses produtos e, consequentemente, do seu assenhoramento por traficantes e grupos criminosos, tendo em vista que as munições vendidas a particulares no Brasil ainda não são marcadas, o que impede o rastreamento do destino que recebem após sua comercialização”.
Escolas de tiro e adolescentes
Weber também revogou a parte que permitia a aquisição de munições por entidades e escolas de tiro em quantidade ilimitada. “Essa liberdade irrestrita conferida a essas entidades, para adquirirem tantas munições quanto julgarem necessário, sem controle pelo órgão competente, caracteriza manifesto retrocesso na construção de políticas voltada à segurança pública e ao controle de armas no território brasileiro, vulnerando as diretrizes nucleares do Estatuto do Desarmamento”, analisou.
A magistrada ainda suspendeu a norma que autorizava a prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos de idade. Segundo a ministra, “o preceito normativo impugnado efetivamente inova no ordenamento positivo, viabilizando o acesso de adolescentes a armas de fogo sem prévia manifestação do Ministério Público ou autorização judicial”.
“Esse comportamento, mesmo que realizado no espaço recreativo de clubes e entidades de tiro desportivo, acha-se tipificado como delito penal não apenas pelo próprio Estatuto do Desarmamento, mas também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, além de caracterizar contravenção penal”, pontuou Weber.
Saiba os itens anulados por Rosa Weber:
a) afastamento do controle exercido pelo Comando do Exército sobre “projéteis de munição para armas de porte ou portáteis, até o calibre máximo de 12,7 mm”, das “máquinas e prensas (…) para recarga de munições”, das “miras optrônicas, holográficas ou reflexivas” e das “miras telescópicas”;
b) autorização para a prática de tiro recreativo em entidades e clubes de tiro, independentemente de prévio registro dos praticantes;
c) possibilidade de aquisição de até seis armas de fogo de uso permitido por civis e oito armas por agentes estatais com simples declaração de necessidade, revestida de presunção de veracidade;
d) comprovação pelos CACs da capacidade técnica para o manuseio de armas de fogo por laudo de instrutor de tiro desportivo;
e) comprovação pelos CACs da aptidão psicológica para aquisição de arma de fogo, mediante laudo fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia, dispensado o credenciamento na Polícia Federal;
f) dispensa de prévia autorização do Comando do Exército para que os CACs possam adquirir armas de fogo;
g) aumento do limite máximo de munições que podem ser adquiridas, anualmente, pelos CACs;
h) possibilidade do Comando do Exército autorizar a aquisição pelos CACs de munições em número superior aos limites pré-estabelecidos;
i) aquisição de munições por entidades e escolas de tiro em quantidade ilimitada;
j) prática de tiro desportivo por adolescentes a partir dos 14 anos de idade completos;
k) validade do porte de armas para todo território nacional;
l) porte de trânsito dos CACs para armas de fogo municiadas;
m) porte simultâneo de até duas armas de fogo por cidadãos.
Via Correio Braziliense
por Augusto Fernandes