O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente o projeto de lei que estabelecia a promulgação da Constituição, em outubro de 1988, como marco temporal para demarcação de terras indígenas. Entre os principais trechos vetados, ele proibiu a indenização aos produtores rurais que perderem suas terras com a nova demarcação, uma das principais preocupações da bancada ruralista.
Lula também proibiu a produção agrícola nas novas terras demarcadas e a construção de estradas, duas defesas feitas pelos próprios indígenas, especialmente os de Mato Grosso.
O trecho que definia a data para o Marco Temporal, conforme aprovado pelo Congresso, foi vetado. Já outros pontos da proposta foram preservados e se tornarão lei.
Os vetos serão analisados pelo Congresso e a bancada ruralista trabalha para derrubar a decisão do presidente e promulgar a lei, conforme aprovado por deputados e senadores.
Em entrevista ao RepórterMT, o deputado federal por Mato Grosso, Coronel Assis, já avisou que a Câmara está pronta para derrubar o veto. “O Governo precisa entender que a aprovação do Marco Temporal concretiza a vontade do povo brasileiro, representada no Congresso”, afirmou.
“O veto, se ocorrer, será derrubado, pois da mesma forma que o Congresso aprovou, tenho certeza de que quer a concretização da regra para garantir segurança jurídica a milhares de famílias que hoje se sentem ameaçadas pela possibilidade de serem expulsas de suas terras por conta das demarcações indígenas desrazoáveis”, concluiu o federal.
Ao anunciar o veto, Lula disse que seguiu o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou o marco temporal inconstitucional.
Veja os principais pontos vetados e sancionados do texto.
Vetados
- – a obrigatoriedade de comprovação dos requisitos que definem o que são terras tradicionalmente ocupadas ‘baseada em critérios objetivos’;
- – a obrigatoriedade da participação dos estados e municípios e partes interessadas na demarcação de uma área indígena;
- – a obrigatoriedade da intimação dos interessados desde o início do processo de demarcação e a permissão da indicação de peritos auxiliares;
- – a obrigatoriedade de contraditório e defesa aos interessados desde os estudos preliminares do processo de demarcação.
- – a obrigatoriedade de indenizar as benfeitorias realizadas nas áreas em disputa;
- – a permissão para que não-indígenas, que tivessem posse da área demarcada, pudessem usufruir da terra objeto da demarcação até que fosse concluído o procedimento demarcatório e indenizadas as benfeitorias;
- – a proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas;
- – a possibilidade de contato com povos indígenas isolados para ‘prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública’;
- – a retirada de trecho da Lei 11.460/2007 que proíbe o cultivo de alimentos transgênicos em terras indígenas;
- – a possibilidade da União tomar as terras novamente caso os traços culturais da comunidade indígena tenha sido modificada com o passar do tempo;
- – a criação do conceito de “áreas indígenas adquridas”, por meio de compra, venda ou doação;
- – a permissão de instalação de bases e postos indígenas ou ao órgão indigenista;
- – a possibilidade de operações das Forças Armadas e da Polícia Federal em áreas indígenas sem que as comunidades sejam consultadas;
- – a permissão de instalação de estradas, redes de comunicação e outros equipamentos em terras indígenas;
- – a determinação de que os antropólogos, peritos e outros profissionais especializados, nomeados pelo poder público, e cujo trabalho fundamentem a demarcação, fosesem submetidos às regras do Código de Processo Civil que trata sobre suspeição e impedimento;
- – a permissão de turismo em terras indígenas, organizado pela própria comunidade, e com a possibilidade de contratos para captar investimentos;
- – determinação de que o usufruto por indígenas em terras indígenas localizadas em unidades de conservação deveria ficar sob a responsabilidade do órgão federal gestor da área protegida.
Sancionados
- – determinação de que cabe às comunidades indígenas escolher a forma de uso e ocupação das terras mediante “suas próprias formas de tomada de decisão e solução de divergências”;
- – estabelecimento de que que o usufruto das terras indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional;
- – determinação de que não-indígenas só poderão entrar nas terras caso sejam autorizados pela comunidade indígena e por agentes públicos a serviço de União, estados e municípios;
- – direito das próprias comunidades explorarem economicamente as terras indígenas, permitindo cooperações e contratações de não-indígenas.
- – Segundo o governo, não é permitida qualquer atividade econômica na qual os indígenas percam a gestão da área, a exemplo do arrendamento de terras para agricultura e pecuária;
- – a previsão de que o processo de demarcação será público e com atos “amplamente divulgados” e divulgados para consulta online;
- – a previsão de que qualquer cidadão pode ter acesso às informações relativas a demarcações de terras indígenas, inclusive estudos, laudos, conclusões e argumentações;
- – informações orais citadas no processo de demarcação terão efeito de prova quando apresentadas em audiências públicas ou registradas em áudio e vídeo, com a devida transcrição;
- – direito das partes interessadas no processo de receber tradução oral ou escrito da língua indígena para o português e vice e versa, por tradutor nomeado pela Funai;
- – permissão para que associações representem seus associados nos processos, desde que haja aprovação em assembleias gerais das instituições;
- – previsão de que o levantamento fundiário da área em discussão seja acompanhado de relatório circunstanciado;
- – autorização para que o governo federal, com órgão competente, entre em propriedade particular para levantar dados e informações, mediante comunicação prévia e por escrita ao proprietário ou representante com antecedência mínima de 15 dias úteis.
Texto: EUZIANY TEODORO*