Artur Augusto Leite, juiz da comarca de São Francisco do Guaporé, julgou ontem (18.11.2019) ilegal a cobrança da taxa de lixo cobrada pela administração. A decisão foi proferida nos autos 7000352-14.2019.8.22.0023. A impetrante é Irene Parron Parron. As partes impetradas são Município de São Francisco do Guaporé; Gislaine Clemente, prefeita-gestora da fazenda pública municipal e Alcina Maria Penafiel Sola, secretária de Fazenda do municipal.
Pedido inaugural
A impetrante alegou no seu pedido inaugural o seguinte: “ A impetrante tem um imóvel urbano de número 487, situado na quadra 054, lote 009, setor 02, com endereço já mencionado no preâmbulo da inicial. No dia 30 de janeiro de 2019, a mesma se dirigiu até a sede da Prefeitura para pagar o Imposto Predial Territorial Urbano deste ano, porém as autoridades coatoras, estranhamente, exigiram dela também o pagamento da taxa do lixo no valor de R$ 206,40 (duzentos e seis reais) juntamente com o talonário do IPTU de seu imóvel urbano situado na quadra 054, lote 009, setor 02, no endereço já mencionado no preâmbulo da inicial, conforme prova documento anexo. Surpreendida com a cobrança, a impetrante indagou o motivo pelo qual as autoridades coatoras resolveram exigir do contribuinte a taxa do lixo, o que nunca aconteceu até 2018. Os impetrados alegaram à impetrante que a cobrança foi em virtude de que o poder legislativo aprovou a lei de número 085, que alterou o decreto número 200/2018, que regulamenta a taxa do lixo, publicando, no dia 14 de janeiro de 2019, o decreto de número 006/2019, conforme documentos anexos. De acordo com o decreto supra-mencionado, a taxa de lixo será lançada separadamente do IPTU e será recolhida à vista ou em dez parcelas, conforme artigo 1º. Já no artigo 2º do mesmo decreto, a taxa de coleta e tratamento de lixo tem como fato gerador a utilização efetiva ou potencial do serviço de coleta, remoção e destinação final dos resíduos sólidos, como lixo residencial, comercial, industrial, público, hospitalar e detritos orgânicos, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. No último artigo 3º do decreto em tela, este informa que serão aplicadas todas as regras a que descreve a Lei Municipal de número 1.472, de 21 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a instituição e cobrança das taxas no âmbito do município de São Francisco do Guaporé. A impetrante, inquestionável, não pagou a cobrança indevida da taxa de lixo porque se viu lesionada com tal exigência, tendo o direito líquido e certo de não ser tributada, uma vez que, segundo a legislação em vigor, a taxa deve ser cobrada na proporção de uso do serviço. Não tendo como o município medir quanto cada contribuinte usa do serviço. Assim sendo, resolveu discutir o caso em juízo buscando a tutela do poder judiciário para corrigir a lesão da qual a impetrante, ora contribuinte, vem sofrendo por parte dos impetrados.
Decisão monocrática
Ao analisar o pedido inicial, o juízo da comarca indeferiu a medida liminar alegando o seguinte: “Trata-se de mandado de segurança impetrado por Irene Parron Parron contra ato praticado pelo Município de São Francisco do Guaporé, Gislaine Clemente e Alcina maria Penafiel Sola. Em síntese, sustenta a impetrante que possui um imóvel urbano e por isso, estão lhe cobrando a quantia de R$ 206,40 (duzentos e seis reais) além do IPTU do seu imóvel. Prossegue asseverando que a cobrança da taxa de lixo deve ser cobrada na proporção de uso do serviço, sendo que o Município não tem como auferir quanto, efetivamente, cada contribuinte usa do referido serviço. Além disso, assevera que a taxa de lixo é ilegal e abusiva, pois uma das características do tributo é estar o respectivo cálculo vinculado ao fato gerador ou ser neutro. “Tomar por base critério indiferente ao poder de polícia ou à prestação de serviços, desvirtua o tributo, transformando-o em imposto. A taxa está ligada ao custo da possível atividade administrativa a que corresponde”.
Afirma ainda que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a inconstitucionalidade da taxa de lixo e por isso requer a concessão de medida liminar a fim de que as autoridades coatoras se abstenham de cobrar qualquer valor a título de pagamento de taxa de lixo. É o relatório. Fundamento e DECIDO.
O remédio constitucional do mandado de segurança destina-se a proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público (CF, art. 5º, LXIX).
Sustenta a impetrante que a autoridade coatora está ferindo o seu direito líquido e certo pois está lhe cobrando o pagamento da taxa de lixo, sem sequer saber o quanto a impetrante realmente se utiliza do serviço, sendo inconstitucional exigir o pagamento da referida taxa, conforme já reconhecido pelo STJ. Dispõe o artigo 145, inciso II, § 2º da Constituição Federal: art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […]; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; § 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
Além disso, o artigo 77 do CTN preceitua o seguinte: art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.
De acordo com Roberval Rocha: As taxas são tributos cujo fato gerador é configurado por uma atuação estatal específica, referível ao contribuinte, podendo consistir no exercício regular do poder de polícia ou na prestação ao contribuinte, ou na colocação à sua disposição, de serviço público específico e divisível. […]. Diferentemente dos impostos, a taxa, tributo vinculado, diz respeito a um fato do Estado, não a um fato do contribuinte. O seu fato gerador é a prestação estatal do serviço, ou sua mera colocação à disposição do administrado. O Estado exerce ou disponibiliza determinada atividade e, por isso, cobra a taxa de quem aproveita efetiva ou potencialmente, aquela atividade. […]. A utilização potencial ocorre quando o serviço é posto à disposição do usuário. Nesse caso, o Estado não precisa investigar se está ocorrendo utilização efetiva para a cobrança da taxa. […]. Um exemplo: a coleta domiciliar de lixo é considerada essencial, com fundamento em preceitos de saúde pública. Ao instalar o serviço, o Estado coloca à disposição de todas as residências atendidas pelo trajeto dos recolhedores. Mas, pode ocorrer que determinada casa esteja vazia, sem moradores, não havendo produção de lixo. Mesmo não utilizando efetivamente o serviço, o proprietário é obrigado a pagar a taxa porventura instituída para a manutenção do serviço, porque a coleta está à sua disposição, valorizando sua propriedade. (ROCHA, Roberval. Direito tributário. Coleção sinopse para concursos. 4ª edição. Juspodivm. Bahia. 2017)
No caso em questão, verifica-se que o Município de São Francisco do Guaporé, por meio da Lei n. 1.472/2017 instituiu a cobrança da taxa de lixo (artigo 45 e seguintes), e cuidou de determinar que o fato gerador da taxa de coleta e tratamento de lixo é “a utilização efetiva ou potencial do serviço de coleta, remoção e destinação final dos resíduos sólidos – lixo, residencial, comercial, industrial, público, hospitalar e detritos orgânicos, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.
Como bem se observa, o fato gerador da taxa de lixo não se confunde com o fato gerador do IPTU, o qual tem como fato gerador a “propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município (artigo 32 do CTN). ” Desta feita, havendo fatos geradores distintos não há que se falar em ilegalidade na cobrança, por parte do Município do IPTU e da taxa de lixo.
Quanto à alegação da impetrante de que o Município deve verificar, caso a caso, o quanto cada contribuinte, utiliza, efetivamente do serviço posto à disposição, cumpre ressaltar que tanto a CF (artigo 145, inciso II) quanto o CTN (artigo 77) autorizam a cobrança da taxa tão somente pela disponibilização do serviço ao usuário, prescindindo de investigação acerca da utilização efetiva para a cobrança da taxa. Em relação à alegação de inconstitucionalidade da taxa de lixo, cumpre esclarecer que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legitimidade da cobrança da taxa de lixo, e firmou a seguinte tese em sede de recurso repetitivo:
A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis não ofende o art. 145, inciso II, da CF (RE 576321 QO-RG, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 04/12/2008, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-05 PP-00976 RTFP v. 18, n. 91, 2010, p. 365-372).
Desta feita, sendo legítima a cobrança da taxa de lixo, no sentido de não haver nenhuma das ilegalidades ou inconstitucionalidades apontadas pela autora, a qual possui fato gerador distinto to IPTU, prescindindo de investigação acerca da efetiva utilização do serviço, não vislumbro a fumaça do bom direito e sequer o perigo da demora e por isso indefiro a liminar ora pleiteada. Notifique-se a autoridade coatora a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações. Vista ao MP. Intime-se a impetrante acerca do indeferimento da liminar. Pratique-se o necessário. São Francisco do Guaporé. RO, 25 de março de 2019. Artur Augusto Leite Júnior. Juiz de direito”.
Defesa do ente público
A Procuradoria da Fazenda Pública Municipal apresentou contestação discordando do pedido da impetrante, inclusive ressalvando “a brilhante tese elaborado pelo nobre colega causídico”, e pontou o seguinte: “A pretensão é desprovida de elementos fáticos e legais, devendo ser julgada improcedente o presente mandamus. 1.-Sinopse: Sustenta a impetrante que possui um imóvel urbano e em decorrência disso esta sendo cobrado o valor de R$206,40 (duzentos e seis reais e quarenta centavos) referente a taxa de lixo, sendo esta ilegal, posto que o município não tem como auferir o quanto, efetivamente, cada contribuinte usa o serviço. No final requer que se abstenha da cobrança da taxa em questão.
2.-Dos Fatos: Pela Carta Magna em vigência, foi dado aos Municípios a competência para instituir tributos e no caso a Taxa de Lixo Segundo a Constituição Federal, diz que: Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; Logo, trata-se de um tributo, com a finalidade de custear os serviços de coleta serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos. Emerge da Carta Magna, que a cobrança da referida taxa esta prevista no dispositivo constitucional. Tanto é, que o Supremo Tribunal Federal já pacificou esse entendimento, através da Súmula 19 do S. T. F, que diz que: A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.
Este entendimento se deu em razão de diversas decisões tomadas por este Tribunal, tendo firmado o entendimento no sentido de que o serviço de coleta de lixo domiciliar deve ser remunerado por meio de taxa, uma vez que se trata de atividade específica e divisível, de utilização efetiva ou potencial, prestada ao contribuinte ou posta à sua disposição. Ao inverso, a taxa de serviços urbanos, por não possuir tais características, é inconstitucional. [AI 702.161 AgR, voto do rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 15-12-2015, DJE 25 de 12-2-2016. No mesmo sentido, A irresignação merece prosperar. Inicialmente, ressalta-se que “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o art. 145, II, da Constituição Federal” (Súmula Vinculante 19). (…) constata-se que o acórdão recorrido destoa da jurisprudência desta Corte, segundo a qual é constitucional a taxa de serviços urbanos referente à limpeza pública quando a sua base de cálculo guarda pertinência com a metragem da área construída do imóvel e respectiva finalidade. (…) ante o exposto, conheço do recurso a que se dá provimento, nos termos do art. 21, § 2º, do RISTF, com a finalidade de reformar o acórdão recorrido para fins de determinar a inclusão dos valores relativos à taxa de serviços urbanos da parte recorrente no exercício de 2002 na execução fiscal subjacente. [RE 952.512, rel. min. Edson Fachin, dec. monocrática, j. 31-3-2017, DJE 68 de 5-4-2017.] A previsão municipal legal da cobrança da Taxa de Lixo, esta prevista no art. 45 da Lei Municipal nº1.472/2017, onde diz que: Também, a referida lei foi regulamentada pelo Decreto nº006/2018, o qual segue anexo.
Esta claro que o Imposto Territorial sobre Propriedade Urbana IPTU não se confunde com a taxa de cobrança de Lixo. Segundo a Lei Municipal nº1.472/2017, o fato gerador da cobrança da referida taxa é a utilização efetiva ou potencial do serviço de coleta de lixo posto à sua disposição, diferente do IPTU que é sobre a propriedade do imóvel. Já sua base de cálculo da taxa de cobrança de lixo é o valor estimado do serviço para seu custeio, nos termos do artigo 48 da lei municipal supracitada, conforme abaixo transcrito. Mesmo porque, conforme mencionado pela impetrante, o município emitiu dois carnes de pagamento distintos, um para o pagamento do IPTU e outro da Taxa de Coleta de Lixo, não se confundindo o Imposto com a Taxa. Por fim, considerando o Decreto Legislativo nº003/2019, a cobrança da referida Taxa esta suspensa, conforme documento anexo. Sem mais delongas, não houve qualquer ato ilegal praticado pelo município, uma vez que a taxa de lixo esta sustentada por lei municipal, estando sob o manto da legalidade. Por fim, conforme mencionado, a cobrança da taxa de lixo esta suspensa através do Decreto Legislativo nº003/2019, não existindo qualquer direito líquido e certo violado pela autoridade, apto a ser amparada pelo mandado de segurança em questão. Contudo o exposto, são estas as informações a serem prestadas e os documentos a serem juntados pelo impetrado, ora Município, devendo, assim, com base nos fatos e fundamentos ora transcritos, ser julgada totalmente improcedente a presente ação, pela mais pura questão de justiça”.
Manifestação do Ministério Público Estadual
Instado a se manifestar sobre o mandado de segurança impetrado pela parte autora, o Ministério Público Estadual assim descreveu: “O feito encontra-se em ordem. Vieram os autos para manifestação. Considerando a necessidade de racionalizar a atuação do Ministério Público no processo civil, com eficiência e eficácia na dimensão de sua moldura constitucional e em benefício dos interesses sociais, coletivos e individuais indisponíveis, priorizando a defesa de tais interesses na qualidade de órgão agente, foi editado o Ato Conjunto n. 01/2016-PGJ/CG, que recomenda, respeitada a independência funcional dos membros da instituição, as lides em que a intervenção ministerial se mostra desnecessária à luz do artigo 178 do NCPC.
Da análise dos autos, verifica-se que a autora é maior, capaz e está devidamente representada por profissionais habilitados, não havendo causas que legitimem a intervenção Ministerial, eis que não há interesse público primário na causa ou qualquer das matérias elencadas nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal, bem como nos arts. 176 e 178 do CPC/2015 e demais normas especiais definidoras das atribuições do Ministério Público. Por tudo o que foi exposto, manifesta-se o Ministério Público do Estado de Rondônia pela não intervenção na presente demanda e informa que não deseja ser intimado para os demais atos processuais, na forma da Recomendação nº 34, de 5 de abril de 2016, do CNMP e do Ato Conjunto nº 001/2016 – PGJ/CG. São Francisco do Guaporé/RO, 23 de setembro de 2019. Natalie Del Carmen R. de C. Maranhão Promotora de Justiça”.
Agrado de instrumento
Não satisfeita com a decisão monocrática do juízo de primeiro grau, a defesa ingressou com um agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, que foi autuado pelo com o número 0800894-90.2019.8.22.0000, da relatoria do desembargador Roosevelt Queiroz Costa, negando a ordem pontuando da seguinte forma: “ Trata-se de agravo de instrumento interposto por Irene Parron Parron, contra a decisão proferida pelo juízo da Vara Única da comarca de São Francisco do Guaporé que, nos autos de mandado de segurança, indeferiu a liminar pleiteada para suspensão da cobrança da taxa de coleta de lixo.
Aduz que a cobrança da taxa de lixo deve ser cobrada na proporção de uso do serviço, sendo que o Município não tem como auferir quanto, efetivamente, cada contribuinte usa do referido serviço. Além disso, assevera que a taxa de lixo é ilegal e abusiva, pois uma das características do tributo é estar o respectivo cálculo vinculado ao fato gerador ou ser neutro. Afirma ainda que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a inconstitucionalidade da taxa de lixo e por isso requer a concessão de medida liminar a fim de que as autoridades coatoras se abstenham de cobrar qualquer valor a título de pagamento de taxa de lixo. É o breve relatório.
O agravo de instrumento é a via recursal adequada para impugnação de decisões interlocutórias que versarem sobre as hipóteses previstas no art. 1.015 do CPC/2015. Nelson Nery Junior, em Comentários ao Código de Processo Civil, esclarece o seguinte: No CPC/1973, bastava que a decisão se encaixasse na definição de interlocutória para que dela fosse cabível o recurso de agravo, fosse por instrumento, fosse retido nos autos – sendo este último a regra do sistema. O atual CPC agora pretende manter a regra do agravo retido sob outra roupagem, a da preliminar de apelação. Porém a regra não mais se pauta pelo caráter de urgência e de prejuízo que o não julgamento da interlocutória possa ter, como ocorria no CPC/1973, mas sim por uma seleção de onze situações que parecem ser, ao legislador, as únicas nas quais se pode ter prejuízo ao devido andamento do processo caso apreciadas de imediato em segundo grau de jurisdição.
(Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao Código de Processo Civil, ed. Revista dos Tribunais, 2015, p. 2.079). O dispositivo legal supracitado, em seu inciso II prevê que “caberá agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre mérito do processo”. Nessa senda, o recurso adequado, que visa à possibilidade de uma célere reavaliação do caso pelo órgão superior, garantindo o duplo grau de jurisdição acerca de matéria prevista expressamente no dispositivo citado, é o agravo de instrumento.
O art. 300 do NCPC elenca os requisitos para a concessão da tutela de urgência: Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. “A probabilidade do direito que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a probabilidade lógica – que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação nesses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder a tutela provisória. Já o perigo de dano caracteriza-se quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito”. (Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidieiro, Novo Código de Processo Civil Comentado, ed. Revista dos Tribunais, 2015, pág. 312).
Pretende a agravante tutela antecipada recursal, para que seja suspensa a exigibilidade da taxa de coleta de lixo. A concessão de tutela de urgência, na forma de efeito suspensivo ou suspensivo ativo, pressupõe que da imediata produção de efeitos da decisão recorrida haja risco de dano grave de difícil ou impossível reparação às agravantes, bem como probabilidade de provimento recursal (art. 995 c/c 300 do CPC). Trata-se de requisitos cumulativos, sendo que, ausente qualquer deles, o pedido deve ser indeferido.
No caso, a agravante não se desincumbiu do ônus que lhe incumbia, consistente na demonstração da presença de risco de grave dano, de difícil ou impossível reparação a afetá-lo, caso não seja imediatamente deferida a tutela recursal postulada. Ademais disto, tenho que os atos administrativos impugnados gozam de presunção de legitimidade, a qual não fora afastada nos autos.
Assim, ausentes os requisitos para que haja a concessão de efeito suspensivo, o mesmo deve ser indeferido. Em face do exposto, ausentes os requisitos necessários à concessão de tutela antecipada recursal, em cognição sumária, indefiro-a, autorizando o diferimento das custas. Intime-se a parte agravada para, querendo, contraminutar (art. 1.019, II, do CPC/2015). Porto Velho/RO, 25 de setembro de 2019. Desembargador Roosevelt Queiroz Costa. Relator.
Sentença do juízo de primeiro grau
Na sentença do juízo de primeiro grau, o magistrado mudou o seu entendimento sobre o caso em tela e concedeu a segurança afirmando o que segue: “Cuida-se de Mandado de Segurança proposto por Irene Parron brasileira, casada, do lar, portadora da carteira de identidade de número 119.850, SSP-MT, inscrita no CPF sob o número 209.150.041.00, residente e domiciliada à Avenida São Francisco, número 3.889, centro, na cidade de São Francisco do Guaporé, Estado de Rondônia em face de a) MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO DO GUAPORÉ, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ sob o número 01254422000156, com sede na Avenida Guaporé, número 4.557, na cidade do mesmo nome; b) GISLAINE CLEMENTE, brasileira, casada, prefeita-gestora da fazenda pública do município acima mencionado, com sede no mesmo endereço descrito anteriormente; c) ALCINA MARIA PENAFIEL SOLA, brasileira, atualmente secretária de Fazenda do município de São Francisco do Guaporé, ou quem suas vezes fizer, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.
Em síntese narra na inicial que: “…A impetrante, inquestionável, não pagou a cobrança indevida da taxa de lixo porque se viu lesionada com tal exigência, tendo o direito líquido e certo de não ser tributada, uma vez que, segundo a legislação em vigor, a taxa deve ser cobrada na proporção de uso do serviço. Não tendo como o município medir quanto cada contribuinte usa do serviço. Assim sendo, resolveu discutir o caso em juízo buscando a tutela do PODER JUDICIÁRIO para corrigir a lesão da qual a impetrante, ora contribuinte, vem sofrendo por parte dos impetrados.
Os embasamentos jurídicos que protegem o direito da impetrante são vários e a seguir o juízo poderá analisar melhor se a cobrança da taxa do lixo pela municipalidade é legal ou ilegal. Vejamos, então, os motivos…” Ao final o impetrante requereu: “A concessão de medida liminar, porque presentes os pressupostos que a outorgam, vez que são relevantes os fundamentos jurídicos do pedido e, o seu acolhimento somente ao final, poderá resultar em ineficácia da segurança pleiteada, suspendendo-se, assim, a exigibilidade do crédito tributário na forma do art. 151, IV do CTN.”
O Município se manifestou alegando quanto a legalidade da cobrança e que tal foi suspensa por Decreto da Prefeitura. O Ministério Público não quis se manifestar. Breve relato. Fundamento e decido. II – Fundamentação. Entendo que a segurança deva ser concedida, mas não pelos argumentos trazidos pelo impetrante. De fato, nos termos dos argumentos do impetrante não se vislumbra as irregularidades narradas, mas o Juízo constatou outras já evidenciáveis “ictu oculli” nesse momento final de apreciação, as quais passa a abordar devido ao fato de que o Juízo conhece o direito “iuri novit curia” A Constituição da República prevê: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Já o Código Tributário Nacional estipula: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. ” Portanto, as taxas estão dentro do conceito de tributo por ser uma prestação pecuniária em moeda ou cujo valor nela se possa expressar e não constitui sanção de ato ilícito, devendo ser instituída em lei mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Agora cabe, dessa feita, a abordagem da questão de quais elementos das taxas devem estar previstos em lei respeitando-se o princípio da legalidade.
Nesse contexto, a doutrina e jurisprudência majoritária estipulam que deve estar previsto o fato gerador, base de cálculo, sujeito ativo e passivo, bem como a respectiva alíquota de tal tributo. Ademais o fato gerador e a base de cálculo devem ter, no caso da taxa, alguma inferência relativamente ao serviço efetivamente utilizado ou posto a disposição do contribuinte, como defende, por exemplo, Sacha Calmon Navarro Coelho. Portanto, numa aproximação inicial, basta que o serviço seja posto a disposição do contribuinte para ser efetivada a cobrança da taxa, nos termos do artigo 77 do Código Tributário Nacional: Art. 77.
As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Nesse contexto, a taxa de coleta de lixo visa remunerar um serviço público específico e divisível (coleta do lixo produzido pelo contribuinte) e tal serviço é prestado ou caso o contribuinte não o utilize posto a sua disposição, não havendo nenhuma irregularidade quanto a esses pontos que foram abordados na petição inicial. Voltando-se, assim, a lei municipal 1472/2017 que instituiu tal taxa (e a abordagem do princípio da legalidade), a mesma estipula: “Art. 45 A taxa de coleta e tratamento de lixo descrito no inciso III do art. 43 tem como fato gerador a utilização efetiva ou potencial, do serviço de coleta, remoção e destinação final dos resíduos sólidos – lixo residencial, comercial, industrial, público, hospitalar e detritos orgânicos, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição…” Até aqui perfeita a legislação, mas ao tratar da base de cálculo essa estipula (e aí começam os problemas) no seu artigo 48 e §1º que tal é o custo estimado do serviço rateado segundo critérios a ser fixado por ato do Chefe do Poder Executivo.
Exatamente nesse ponto é que esta o ferimento do princípio da legalidade, pois delegou aspecto importante da fixação da base de calculo a ato do Poder Executivo. Tanto que o próprio Código Tributário Municipal de São Francisco do Guaporé estipula (Lei Complementar Municipal 56/2016): “Art. 5o Somente lei pode: I- instituir, extinguir, majorar ou reduzir tributos; I- definir fato gerador da obrigação tributária principal e seu contribuinte; III- fixar alíquota de tributos e da sua base de cálculo; IV- impor penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; V – estabelecer causas de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, bem como de dispensa ou redução de penalidades.” Destaque não original. Tal se dá porque a base de cálculo deve ter alguma inferência com o fato gerador e não pode ser delegada a critérios fixados única e exclusivamente pelo Poder Executivo.
Destarte, sendo o fato gerador o serviço utilizado ou posto a disposição do contribuinte, a base de cálculo não pode se referir ao custo do serviço como um todo delegando (mas o custo do serviço para aquele contribuinte específico); e, além disso, a fixação dos critérios específicos não pode ser delegado a ato do Poder Executivo, mas já deve estar fixado na lei quais são esses critérios. Isso porque caso contrário está se abrindo a discricionariedade para o Poder Executivo estipular os critérios que deseja ferindo a segurança jurídica e previsibilidade tão esperada no Direito Tributário (tanto que ele tem o princípio da não-surpresa, etc), impedindo, assim, a verificação da manutenção pela lei de uma proporcionalidade na cobrança relativa ao fato gerador.
Como exemplos de critérios a ser fixado pelo legislador ao invés do custo total, realmente, a base de cálculo juntamente com a alíquota (englobando as duas) pode ser proporcional ao tamanho do terreno e do tipo de utilização dada do mesmo. Assim, é possível, por exemplo, a Lei Municipal já englobando o tamanho do terreno juntamente com a utilização dada ao mesmo especificar um valor como o da taxa (do serviço a ser prestado) e sua forma de correção monetária anual proporcional a média do custo efetivo para o recolhimento daquele tipo de resíduo, baseando-se, assim, numa produção média calculada de acordo com o que é normalmente produzido em terreno daquele tamanho a depender do tipo de finalidade dada ao mesmo, podendo usar presunções a tanto.
Portanto, para as taxas, ao contrário do que ocorre com os impostos, é possível a lei já fixar um valor do quanto a mesma vale, mas, para tanto, alem desse valor estar previsto na lei (o que não está no presente caso), tal valor deve ser proporcional a utilização efetiva ou em potencial cabível àquele contribuinte específico, podendo a lei trabalhar com presunções no sentido de que um terreno maior produz mais lixo do que um menor, etc; podendo também variar esse valor conforme o tipo de atividade empreendida (o Lixo Hospitalar é mais caro de descartar adequadamente do que o Lixo Residencial, etc…). Agora, não pode se basear pura e simplesmente no custo total do serviço delegando os demais critérios para o Poder Executivo. Ou seja, é possível a lei (e não o Poder Executivo) criar uma tabela para imóveis com uso residencial e conforme o tamanho colocar uma valor específico de taxa, uma outra tabela para imóveis não residencias, uma terceira para hospitais, etc; conforme bem lhe aprover, desde que adote critérios razoáveis e proporcionais a depender do tamanho do terreno e da utilização do mesmo (um terreno/imóvel do mesmo tamanho pode ter uma taxa maior caso o uso seja não residencial e uma taxa maior ainda caso o uso seja hospitalar, etc).
Assim, pode ser criada, a título exemplificativo, até quatro tabelas conforme o uso seja residencial, comercial, industrial, público, hospitalar, detritos orgânicos, etc, conforme o principal tipo de resíduo produzido por aquele imóvel e o seu tamanho. Com base nisso caberá ao fiscal tributário proceder ao respectivo enquadramento de cada imóvel. Ocorre que tal criação dessas tabelas devem ser feitas por lei e não por ato do Poder Executivo, especificando que um imóvel de 50 metros quadrados de uso residencial terá uma taxa “X” e outro de uso hospitalar uma taxa “Y”, etc…;. Quanto a atualização de valores, o S.T.F. já decidiu que a mera atualização do valor pode ser feita pelo Poder Executivo desde que de forma razoável cabendo ao legislativo especificar o índice a ser aplicado e a periodicidade dessa correção monetária (anual, etc), não vulnerando a Legalidade, ao contrário do que ocorre com a fixação do próprio valor em si ou de critérios que influenciam na definição da própria base de cálculo, a qual deve se dar por lei do Poder Legislativo Municipal, o que não foi feito pela mesma. Realmente, o CTN estipula no artigo 97: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo; IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso. § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. ” Inclusive, sendo exposto aqui foi baseado na interpretação clássica, com a qual o Juízo concorda. Ocorre que, ao contrário do que explanado até o momento, atualmente a jurisprudência do S.T.F. vem trabalhando com o princípio da legalidade suficiente, mas, mesmo com base nesse argumento, a segurança deve ser concedida.
Nesse contexto, o RE nº 838284 decidiu o seguinte: Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Princípio da legalidade. Taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia. Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Lei nº 6.994/82. Aspecto quantitativo. Delegação a ato normativo infralegal da atribuição de fixar o valor do tributo em proporção razoável com os custos da atuação estatal. Teto prescrito em lei. Diálogo com o regulamento em termos de subordinação, de desenvolvimento e de complementariedade. Constitucionalidade. Ocorre que esse apreciou a lei 12.514/2011 que fixou um limite máximo para a cobrança da taxa de R$ 150,00 reais de Anotação de Responsabilidade Técnica, o que não se deu no presente caso com a legislação municipal.
Tanto que a federal lei 11.000/2014 por não prever limite máximo foi declarada inconstitucional conforme será visto abaixo, a qual estipulou “Art. 2º Os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como as multas e os preços de serviços, relacionados com suas atribuições legais, que constituirão receitas próprias de cada Conselho. § 1º Quando da fixação das contribuições anuais, os Conselhos deverão levar em consideração as profissões regulamentadas de níveis superior, técnico e auxiliar. § 2º Considera-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos mencionados no caput deste artigo e não pagos no prazo fixado para pagamento.” Tal situação de não prever um limite máximo levou o egrégio Supremo Tribunal Federal a decidir que: “O grau de indeterminação com que operou o art. 2º da Lei nº 11.000/04, na parte em que autoriza os Conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a fixar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas relacionadas com suas atribuições, provocou a degradação da reserva legal, consagrada pelo art. 150, I, da Constituição Federal. Isso porque a remessa ao ato infralegal não pode resultar em desapoderamento do legislador para tratar de elementos tributários essenciais.
Para o respeito do princípio da legalidade, seria essencial que a lei (em sentido estrito) prescrevesse o limite máximo do valor da exação, ou os critérios para encontrá-lo, o que não ocorreu. ” RE 704292 / PR Destaque não original. Como exemplo de aumento de valor do imposto é o que vem previsto na Súmula 160 do STJ: É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária. ” Portanto, a contrário sensu, as taxas podem ser aumentadas por ato do Poder Executivo nos anos posteriores, desde que respeitado o índice oficial de correção monetária, a ser adotado mediante legislação municipal que também deverá prever a periodicidade de atualização, a qual somente irá delegar o cálculo, conforme o egrégio S.T.F. já decidiu: “RE-RG 648.245, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, DJe 24.02.2014 (Tema 211) “Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. Legalidade. 4. IPTU. Majoração da base de cálculo. Necessidade de lei em sentido formal. 5. Atualização monetária. Possibilidade. 6. É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais. 7. Recurso extraordinário não provido.” Destaque não original. Realmente, é assim que o egrégio Supremo Tribunal Federal vem decidindo: EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Princípio da legalidade. Taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia. Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Lei nº 6.994/82. Aspecto quantitativo. Delegação a ato normativo infralegal da atribuição de fixar o valor do tributo em proporção razoável com os custos da atuação estatal. Teto prescrito em lei. Diálogo com o regulamento em termos de subordinação, de desenvolvimento e de complementariedade. Constitucionalidade. 1. Na jurisprudência atual da Corte, o princípio da reserva de lei não é absoluto. Caminha-se para uma legalidade suficiente, sendo que sua maior ou menor abertura depende da natureza e da estrutura do tributo a que se aplica.
No tocante às taxas cobradas em razão do exercício do poder de polícia, por força da ausência de exauriente e minuciosa definição legal dos serviços compreendidos, admite-se o especial diálogo da lei com os regulamentos na fixação do aspecto quantitativo da regra matriz de incidência. A lei autorizadora, em todo caso, deve ser legitimamente justificada e o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade.. 2. No RE nº 343.446/SC, alguns critérios foram firmados para aferir a constitucionalidade da norma regulamentar.“a) a delegação pode ser retirada daquele que a recebeu, a qualquer momento, por decisão do Congresso; b) o Congresso fixa standards ou padrões que limitam a ação do delegado; c) razoabilidade da delegação”. 3. A razão autorizadora da delegação dessa atribuição anexa à competência tributária está justamente na maior capacidade de a Administração Pública, por estar estreitamente ligada à atividade estatal direcionada a contribuinte, conhecer da realidade e dela extrair elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, visando encontrar, com maior grau de proximidade (quando comparado com o legislador), a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir. 4. A taxa devida pela anotação de responsabilidade técnica, na forma do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 6.994/82, insere-se nesse contexto.
Os elementos essenciais da exação podem ser encontrados nas leis de regência (Lei nº 6.496/77 e Lei nº 6.994/82). Foi no tocante ao aspecto quantitativo que se prescreveu o teto sob o qual o regulamento do CONFEA poderá transitar para se fixar o valor da taxa, visando otimizar a justiça comutativa. 5. As diversas resoluções editadas pelo CONFEA, sob a vigência da Lei nº 6.994/82, parecem estar condizentes com a otimização da justiça comutativa. Em geral, esses atos normativos, utilizando-se da tributação fixa, assentam um valor fixo de taxa relativa à ART para cada classe do valor de contrato – valor empregado como um critério de incidência da exação, como elemento sintomático do maior ou do menor exercício do poder de polícia, e não como base de cálculo. 6. Não cabe ao CONFEA realizar a atualização monetária do teto de 5 MVR em questão em patamares superiores aos permitidos em lei, ainda que se constate que os custos a serem financiados pela taxa relativa à ART ultrapassam tal limite, sob pena de ofensa ao art. 150, I, da CF/88. 7. Em suma, o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 6.994/82 estabeleceu diálogo com o regulamento em termos de subordinação (ao prescrever o teto legal da taxa referente à ART), de desenvolvimento (da justiça comutativa) e de complementariedade (ao deixar um valoroso espaço para o regulamento complementar o aspecto quantitativo da regra matriz da taxa cobrada em razão do exercício do poder de polícia). O Poder Legislativo não está abdicando de sua competência de legislar sobre a matéria tributária. A qualquer momento, pode o Parlamento deliberar de maneira diversa, firmando novos critérios políticos ou outros paradigmas a serem observados pelo regulamento. 8. Negado provimento ao recurso extraordinário. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria e nos termos do voto do Relator, apreciando o tema 829 da repercussão geral, em negar provimento ao recurso extraordinário, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
O Tribunal, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: “Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita ao ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos”. O Ministro Marco Aurélio, vencido no mérito, não participou da formulação da tese. Acordam, ademais, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Relator, em indeferir o pedido de modulação. ” Destaque não original. Realmente e em síntese para as taxas o egrégio Supremo Tribunal Federal com base no princípio da Legalidade Suficiente vem autorizando, desde que a lei fixe um patamar máximo, que por ato do Poder Eecutivo esse específique o valor da taxa, mas, para tanto, deve encontrar “elementos para complementar o aspecto quantitativo da taxa, visando encontrar, com maior grau de proximidade (quando comparado com o legislador), a razoável equivalência do valor da exação com os custos que ela pretende ressarcir.”
Em outras palavras os critérios devem ser racionais e proporcionais como os já estipulados, por exemplo, pela presente decisão (tamanho do imóvel e tipo de uso, etc…). Também autoriza a atualização monetária, desde que delegada essa possibilidade para o Poder Executivo mediante lei do município e desde que essa lei já específique qual será o índice oficial de atualização a ser utilizado pelo Poder Executivo, cabendo ao Poder Legislativo também fixar a periodicidade da atualização (geralmente anual), cabendo, assim, ao Poder Executivo realizar uma mera conta matemática. É possível, assim, enquadrar as seguintes regras: 1-) A Jurisprudência do egrégio S.T.F. vem autorizando a fixação do valor de taxas pelo Poder Executivo, mas, para tanto, o Poder Legislativo deve estipular um teto mediante lei (o que não ocorreu no presente caso); 2-) Apesar do Poder Executivo poder fixar o valor das taxas deve, para tanto, usar critérios razoáveis e proporcionais relativos ao custo do serviço em relação a cada contribuinte em específico (no caso tamanho do terreno e utilização predominante desse, por exemplo) e não de modo geral. 3-) É cabível ao Poder Executivo realizar atualização do valor da taxa, mas, para tanto, o Poder Legislativo deve delegar tal atribuição já estipulando por lei o índice a ser aplicado e a periodicidade dessa atualização. Ou seja, nos termos do princípio da legalidade clássica abordado no início da presente decisão seria necessário também ao legislativo fixar os parâmetros / critérios que visam auferir o custo do serviço para cada contribuindo podendo, para tanto, assumir presunções razoáveis e proporcionais (Ex: Imóvel residencial de tamanho X = valor y. Imóvel hospitalar de tamanho tal terá um outro valor, etc); conforme o tipo de uso e tamanho do imóvel, pois é presumido que a depender do tipo de lixo produzido o custo do descarte aumente, bem como é presumível que quanto maior o imóvel mais lixo produz, sendo razoável e proporcional tal presunções, sendo essa a posição do Juízo que não é adotada em prol da sedimentação da Jurisprudência, devendo ser aplicada a posição do egrégio S.T.F.
Realmente, no princípio da legalidade suficiente que vem sendo adotado pelo egrégio S.T.F. e, diante disso, será adotado pelo juízo, os critérios abordados no parágrafo acima podem ser fixados – (desde que seguidos parâmetros proporcionais e razoáveis) – pelo Poder Executivo, mas, para tanto, o Poder Legislativo deve ter fixado: 1-) Um patamar máximo na lei para o valor da taxa e; 2-) O índice de correção monetária e a periodicidade dessa a ser efetivada pelo Poder Executivo. Ocorre que nem esses parâmetros mínimos foram seguidos pelo legislador municipal, o que impede a cobrança da taxa. Destarte, como não foram fixados os parâmetros acima na Legislação Municipal (ela não fixou um valor máximo da taxa, etc), patente a ilegalidade da Taxa de Lixo cobrada pelo município, nos moldes em que feita atualmente, nada impedindo a adaptação futura da legislação municipal aos critérios adotados pelo egrégio S.T.F. Por fim, o fato do Poder Executivo ter suspendido o decreto é irrelevante, pois ele gerou atos coatores na prática, inclusive emissão de boleto, etc… III – Dispositivo. Diante do exposto, nos termos do artigo 487, I, do C.P.C., concedo a segurança, tornando indevido a cobrança da taxa de coleta de lixo. Submeto a presente decisão ao reexame necessário. Assim, ultrapassado o prazo recursal remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça. Por se tratar de Mandado de Segurança não há que se falar em honorários advocatícios. Sem custas, pois o perdedor foi o ente público. São Francisco do Guaporé (RO) 18 de novembro de 2019. Artur Augusto Leite Júnior. Juiz de direito”. A parte vencedora foi patrocinada pelo Escritório de Advocacia Paron e Parron.
Da redação – Planeta Folha