Os dados bancários de Raimunda Veras Magalhães – a mãe do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega (morto em fevereiro) – revelam movimentação financeira típica de lavagem de dinheiro, com repasse de valores para Fabrício Queiroz de forma direta e indireta e detalham suspeita do Ministério Público do Rio, sobre seu papel de operador do suposto esquema de “rachadinha” – apropriação dos salários de assessores contratados -, no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, na época em que foi deputado na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
A quebra de sigilo bancário de quatro contas de Raimunda Magalhães, a que a reportagem teve acesso, mostra uma rotina padrão: saques, movimentações entre contas, repasses diretos ao suposto operador do esquema, por transferência eletrônica bancária, cheques e dezenas de depósitos em dinheiro vivo, com coincidência de datas e valores de recebimento dos salários. Operações financeiras que têm proximidade de períodos e cifras com operações suspeitas realizadas em contas de Flávio Bolsonaro, de Queiroz e de outros investigados, que geraram alertas de inteligência financeira.
Empregada como assessora parlamentar entre 2015 a 2018, vinculada ao gabinete de Flávio Bolsonaro – atual senador pelo Republicanos do Rio -, duas das contas registram 13 repasses para conta de Queiroz, entre 2014 e 2018. São pelo menos seis transferências eletrônicas em que o nome do ex-braço direito de Flávio Bolsonaro aparece e sete cheques vinculado a conta dele. Um total de R$ 64.730,00.
Quatro depósitos são nominais e saíram da conta do Itaú Unibanco, em que recebia os vencimentos da Alerj, com padrão de repasse simultâneo ao crédito, valor coincidente e operações fracionadas de menor valor relacionadas. Uma transferência é de julho de 2016, valor de R$ 4.600,00. As demais, em 2018: R$ 4.500,00, em 2 de março, R$ 4.150,00, em 2 de maio, e R$ 6.000,00, em 1º de outubro.
Queiroz era espécie de chefe de gabinete de Flávio desde 2007, segundo afirmou um dos assessores ouvidos na investigação, também suspeitos de devolver parte dos salários. O ex-braço-direito do senador é apontado por promotores do Rio como o responsável pela complexa engenharia financeira que se investiga, que teria sido empregada para ocultar a origem do dinheiro supostamente desviado na “rachadinha”. Esquema que teria desviado pelo menos R$ 3 milhões, em benefício do então deputado Flávio Bolsonaro e de aliados.
Núcleos. Investigado desde 2018, o esquema envolveria mais de um núcleo operacional e era integrado por amigos, parentes, vizinhos e firmas associadas. São apurados crimes de peculato, lavagem organização criminosa.
Raimunda Magalhães e Danielle Mendonça Magalhães da Nóbrega, a ex-mulher do Capitão Adriano, eram parte do núcleo diretamente ligado a Queiroz – composto por 11 assessores -, da suposta organização criminosa que o Ministério Público diz ter identificado no gabinete de Flávio, na Alerj (ele foi deputado estadual de 2003 a 2018).
Juntos eles seriam responsáveis por pelo menos R$ 2 milhões dos desvios apurados até aqui. O Ministério Público identificou que os valores, em dinheiro vivo, creditados na conta de Queiroz, representam 69% do montante. O restante foi repassado por transferências bancárias (25,5%) e cheques (4,5%).
Para o Ministério Público, a “predominância de depósitos e saques de dinheiro em espécie na conta corrente do investigado Fabrício Queiroz tinha como finalidade ocultar os rastros do dinheiro no sistema financeiro, ou seja, ocultar as origens e os destinos dos recursos que transitaram pela conta bancária”.
Os investigadores sustentam nos autos que Raimunda e Danielle eram servidoras “fantasmas”, devolvendo quase a totalidade dos valores recebidos. Nos pedidos de buscas, apreensões e prisões feitos na apuração, investigadores apontam o rastreamento de R$ 405 mil que teriam sido repassados para Queiroz, do valor de R$ 1,2 milhão que receberam dos cofres públicos da Assembleia, no período – de 2007 a 2018.
Nos quatro anos, Raimunda recebeu R$ 252 mil da Alerj. Desse valor, R$ 182 mil foram sacados em espécie – equivalente a 74% do total.
Um dos elementos que levou a Justiça a decretar a prisão de Queiroz e da mulher, em junho, foi a suposta tentativa de atrapalhar as investigações e obstruir a Justiça, relacionadas a supostos “encontros clandestinos” e contatos identificados pelos investigadores entre eles, um advogado de Flávio Bolsonaro e os familiares do Capitão Adriano, no final de 2019. Uma foto do encontro com Raimunda do advogado Luiz Gustavo Botto Maia e a mulher de Queiroz foi localizada em uma aparelho de telefone dos alvos.
Valores. Além dos repasses diretos e dos valores em espécie sacados e depositados com quantias e datas correspondentes, dois restaurantes – o Tatyara e Rio Cap -, que seriam controlados pelo miliciano e pela mãe, fizeram repasses por cheques e transferências bancárias para Queiroz.
Nos pedidos de buscas e prisão feitos à Justiça, o Ministério Público registra que foram identificados 11 depósitos de cheques e um TED (transferência eletrônica) das firmas na conta de Queiroz, entre 2013 e 2015. Total de R$ 69.250,00.
A reportagem listou os valores identificados nos dados da quebra de sigilo bancário de Raimunda e os atribuídos aos dois restaurante – listados no pedido de prisão da Operação Anjo.
Somados os registros de repasses das duas contas de Raimunda Magalhães e dos dois restaurantes, são R$ 133.980,00, em 24 operações bancárias, entre 2013 e 2018.
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DEPÓSITOS DE RAIMUNDA MAGALHÃES PARA QUEIROZ
São 13 cheques e transferências eletrônicas bancárias para o ex-assessor de Flávio Bolsonaro entre 2013 e 2013 de duas contas pessoas; mais 11 cheques e TEDs de duas contas de restaurantes dela e do Capitão Adriano
R$ 133.980,00 é o valor total dos 24 repasses listados
Depósitos de Raimunda Magalhães para Fabrício Queiroz
Conta Itaú Unibanco – salário Alerj (Total – R$ 19.250,00)
- R$ 4.600,00 – Em 14 de julho de 2016 (transferência eletrônica nominal)
- R$ 4.500,00 – Em 2 de março de 2018 (transferência eletrônica nominal)
- R$ 4.150,00 – Em 2 de maio de 2018 (transferência eletrônica nominal)
- R$ 6.000,00 – Em 1º de outubro de 2018 (transferência eletrônica nominal)
Conta Santander (Total – R$ 45.480,00)
- R$ 2.600,00 – Em 13 de maio de 2014 (cheque)
- R$ 3.750,00 – Em 10 de junho de 2014 (cheque)
- R$ 3.750,00 – Em 16 de junho de 2014 (cheque)
- R$ 5.600,00 – Em 14 de julho de 2014 (cheque)
- R$ 7.580,00 – Em 10 de outubro de 2014 (cheque)
- R$ 6.000,00 – Em 9 de dezembro de 2014 (transferência eletrônica nominal)
- R$ 6.300,00 – Em 10 de fevereiro de 2015 (transferência eletrônica nominal)
- R$ 6.000,00 – Em 10 de março de 2015 (cheque)
- R$ 3.900,00 – Em 7 de abril de 2015 (cheque)
Depósitos dos restaurantes da família do Capitão Adriano para Queiroz
Conta Restaurante e Pizzaria Rio Cap (Total – R$ 26.920,00)
- R$ 5.400,00 – Em 20 de dezembro de 2013 (cheque)
- R$ 5.700,00 – Em 10 de fevereiro de 2014 (cheque)
- R$ 6.100,00 – Em 10 de novembro de 2014 (cheque)
- R$ 9.720,00 – Em 6 de agosto de 2015 (transferência eletrônica)
Conta Restaurante e Pizzaria Tatyara (Total – R$ 42.330,00)
- R$ 4.000,00 – Em 11 de janeiro de 2013 (cheque)
- R$ 8.580,00 – Em 7 de novembro de 2013 (cheque)
- R$ 7.700,00 – Em 7 de abril de 2015 (cheque)
- R$ 6.300,00 – Em 7 de maio de 2015 (cheque)
- R$ 5.250,00 – Em 7 de julho de 2015 (cheque)
- R$ 5.250,00 – Em 9 de setembro de 2015 (cheque)
- R$ 5.250,00 – Em 7 de outubro de 2015 (cheque)
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Para os investigadores, os repasses anteriores a 2015 têm relação com os salários de Danielle – contratada desde 2007, mesmo ano em que Queiroz virou assessor de Flávio Bolsonaro e ela ainda era casada com o ex-capitão do Bope (a tropa de elite da PM do Rio). Acusado de crimes da milícia e de assassinato, na Operação Intocáveis, Capitão Adriano morreu baleado pela polícia da Bahia, em 9 de fevereiro, ao reagir à prisão. O miliciano passou um ano foragido da Justiça.
Padrões. A análise dos dados bancários da conta de Raimunda Magalhães e de investigados detalha os repasses diretos para Queiroz, considerados pelo Ministério Público “prova cabal” do crime de peculato (apropriação de recurso do Erário por servidor público). Mostra também um padrão de saques e depósitos em dinheiro vivo, em datas e valores correspondentes, transferências entre contas próprias e de titularidades de firmas e pessoas ligadas a eles.
Em abril de 2015, por exemplo, quando Raimunda foi contratada na Alerj, como assessora da liderança do PP – Flávio era do partido e vice-líder na bancada -, o primeiro salário recebido foi de R$ 4,5 mil. O valor de R$ 4 mil foi transferido no dia 7 eletronicamente para uma conta dela no Santander e no mesmo dia um cheque de R$ 3.900,00 foi debitado da conta, tendo como beneficiário, Queiroz. Ele recebe também, no mesmo dia, depósito do restaurante Tatyara, um cheque de R$ 7.700,00.
Via Estadão Conteúdo