RIO – Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) votaram, nesta terça-feira, a favor de um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para anular a quebra de sigilo fiscal e bancário do filho do presidente Jair Bolsonaro no caso das “rachadinhas”. As decisões anuladas tinham sido autorizadas em 2019 pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio, e se estendiam a cerca de cem pessoas e empresas suspeitas de envolvimento no esquema de desvio de recursos do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
Os votos favoráveis a Flávio partiram dos ministros João Otávio Noronha, Reinaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Parcionik. Os quatro divergiram do ministro Félix Fischer, relator do caso, que optou por negar o pedido da defesa e foi vencido pelos colegas do colegiado. O recurso já havia sido negado anteriormente, há um ano, pela 3ª Câmara Criminal do TJ do Rio.
Na contramão do que havia sido deliberado pela Corte fluminense, os quatro ministros da Quinta Turma consideraram que houve falta de fundamentação em duas decisões de Itabaiana para autorizar as quebras de sigilo solicitadas pelo Ministério Público (MP) do Rio na condução da investigação.
João Otávio Noronha, que abriu o primeiro voto divergente em relação a Fischer, chegou a criticar o magistrado por ter utilizado uma decisão de duas linhas para quebrar o sigilo de mais de 90 pessoas. A fala do magistrado ecoa o discurso dos advogados de Flávio, do próprio parlamentar e do presidente Bolsonaro, que reclamou publicamente, em maio de 2019, a maneira como o filho teve os sigilos bancário e fiscal expostos por decisão de Itabaiana.
Declarada nula, a decisão pode impactar outros procedimentos utilizados pelo Ministério Público (MP) do Rio na investigação sobre a devolução de salários de ex-funcionários de Flávio, que resultou em denúncia oferecida contra o político e outras 16 pessoas em outubro do ano passado. A quebra de sigilo colheu informações que serviram como base para a autorização de outras diligências relevantes para o caso.
Ao GLOBO, a atual defesa de Flávio Bolsonaro, representada pelos advogados Luciana Pires, Rodrigo Rocca e Juliana Bierrenbach, informou que ainda não buscará a anulação de outros procedimentos da investigação, uma vez que aguarda o julgamento de outro recurso, a ser avaliado na semana que vem, que questiona todas as decisões do juiz Flávio Itabaiana relativas ao caso.
Na ação julgada nesta terça-feira, Flávio foi representado pela advogada Nara Nishiwaza, da equipe do advogado Frederick Wassef, que havia deixado o caso em junho do ano passado, após ter abrigado, em um endereço de Atibaia (SP), Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar, preso naquele mês, e denunciado posteriormente como operador da “rachadinha”. Apesar de ter sido substituído pela equipe da advogada Luciana Pires, Wassef acompanhou a sessão de hoje por videoconferência.
Outros pedidos da defesa
Os cinco ministros da Quinta Turma do STJ se debruçam, desde o início de fevereiro, sobre o julgamento de três pedidos de habeas corpus apresentados por advogados de Flávio Bolsonaro no ano passado e de um quarto recurso da defesa de Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar, e da mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar.
O julgamento havia sido iniciado em novembro, mas foi interrompido por um pedido de vista de João Otávio Noronha. Antes do feriado de Carnaval, foi a vez de Felix Fischer solicitar mais tempo para a análise dos recursos. Nesta terça-feira, o realtor optou por não ler os seus votos a respeito dos habeas corpus relativos a outros tópicos do caso das “rachadinhas” e postergar a discussão para a próxima terça-feira.
Além da quebra de sigilo, já analisada, há pedidos dos advogados de Flávio para anular relatórios emitidos pelo Conselho do Controle de Atividade Financeira (Coaf) com dados do parlamentar e a totalidade das decisões de Itabaiana, que deixou de conduzir o caso em junho do ano. Flávio recebeu foro privilegiado e a investigação migrou para o Órgão Especial do TJ do Rio, formado por 25 desembargadores.
Recurso já tem voto favorável
Antes da decisão de suspender o restante do julgamento para a próxima semana, o ministro João Otávio Noronha também votou a favor de outro pedido da defesa de Flávio a respeito de informações repassadas pelo Coaf ao MP do Rio para embasar a investigação sobre o senador. Os outros quatro ministros do colegiado ainda não se manifestaram sobre o tema, que deverá ser retomado a partir do parecer da relatoria de Fischer.
Noronha considerou que um relatório de inteligência financeira (RIF) originado pelo Coaf promoveu “indevida intromissão na devida intimidade e privacidade” de Flávio e destacou entender que houve falta de “autorização judicial que garantisse a razoabilidade e proporcionalidade da medida”. O ministro chegou a criticar a maneira como a promotoria lançou mão dos dados do órgão Coaf:
— O Coaf não é órgão de investigação, e muito menos de produção de prova. Ele tem que fazer o relatório de inteligência, e então está finalizada sua missão. Ele não pode ser utilizado como órgão auxiliar do Ministério Público — disse Noronha.
Entre os argumentos para votar pela anulação, Noronha mencionou que houve irregularidade na comunicação entre o MP e o Coaf, uma vez que consta nos autos uma comunicação informal, via e-mail, trocada pelas instituições com a requisição para a emissão do documento com informações sobre Flávio.
Em dezembro de 2019, após meses de paralisação nessa e em outras centenas de investigações, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o compartilhamentos de dados reunidos por órgãos de inteligência pode ser feito sem decisão judicial prévia e que a comunicação das informações precisa ser feita unicamente por meios de comunicação formais dos órgãos envolvidos. Esse procedimento foi realizado pelo MP do Rio da maneira determinada, ao passo em que a comunicação por e-mail ocorreu paralelamente e apenas no momento da solicitação das informações.