Audiência pública na Assembleia Legislativa discutiu na tarde desta segunda-feira (25), a implantação do alfandegamento e a instalação de balsa para a travessia do rio Guaporé, em Costa Marques, na fronteira com Puerto Ustarez, no Departamento do Beni, na Bolívia. A audiência foi proposta pelo presidente da Casa, Alex Redano (Republicanos) e pelo deputado José Lebrão (MDB), tendo como tema central o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) para que a balsa de e a alfândega sejam instaladas.
“Já há muitos anos discutimos esse tema, mas estamos debatendo com muita força nos últimos tempos. E está prestes a acontecer o aumento desse comércio, que já ocorre, mas que pode ser impulsionado. Há produtos que aqui na Bolívia é abaixo do preço que pagamos em Rondônia, a exemplo do sal e da ureia. Também temos produtos nossos que interessam ao povo boliviano. Por isso, estamos juntos nesse objetivo”, disse Redano, ao abrir a audiência pública.
De acordo com o deputado Lebrão, existe tanto do lado boliviano quanto do lado brasileiro, a expectativa de que o projeto de Costa Marques possa prejudicar o projeto de ligação de Guajará-Mirim e vice versa, mas isso, segundo o parlamentar, “é uma inverdade, pois em nenhum momento um projeto inviabiliza o outro, uma vez que ambos são importantes e cumprirão seus papeis de integrar os dois países, sando oportunidade de negócios tanto para o Brasil, como para a Bolívia, disse.
Ainda de acordo com Lebrão, trata-se apenas de uma questão de logística, uma vez que a travessia de Guajará-mirim irá ajudar no abastecimento com os produtos bolivianos da região norte de Rondônia e sul do amazonas, enquanto que a travessia em Costa Marques será usada para abastecimento das regiões central e sul de Rondônia. “Trata-se apenas de logística. Com as duas ligações, as duas regiões ganham. Haverá uma maior integração comercial, social e cultural nas duas regiões. Há muitos anos estamos lutando por essas ligações, pois elas são importantes para o desenvolvimento de Rondônia e para os departamentos bolivianos do Beni e de Pando”, pontuou Lebrão.
O Deputado Cirone Deiró (Podemos) também participou do evento e fez questão de destacar a importância do encontro entre as autoridades dos dois países, afirmando se tratar de um evento histórico para a promoção do desenvolvimento econômico e social das duas regiões. Quero parabenizar o deputado presidente Alex Redano e o deputado Lebrão pela iniciativa, agradecer a presença das autoridades e convidados bolivianos e dizer que hoje começamos aqui uma nova história do desenvolvimento de Rondônia e da própria Bolívia. Garantir essa travessia entre Costa Marques e Puerto Ustarez é sinônimo de uma nova realidade para as duas regiões. Sabemos que o trabalho é árduo e não depende só da nossa própria vontade, mas é com essa iniciativa e determinação que vamos transpor essas barreiras e chegar ao objetivo comum que é a ligação, seja por balsa ou por ponte, que nos dará uma nova realidade econômica”, disse.
Debates
O superintendente do Sebrae e ex-governador Daniel Pereira, abriu as falas exaltando que “ou a gente continua pobre e separado, ou nos juntamos e ganhamos todos. Sendo honesto: comércio gerando riquezas dos dois lados, hoje é muito pequeno e pode ser muito maior e mais rentável para os dois países. Ou a gente entende que o nosso destino é a grandeza ou saímos divididos e não avançamos. O mesmo vale para Costa Marques e Guajará-Mirim: é preciso somar forças”.
Daniel fez uma exposição, apresentando dados e informações acerca do comércio e das relações entre os dois países, destacando os pontos positivos que unem interesses mútuos.
O superintendente da Receita Federal em Rondônia, Murilo Xavier, disse que “é importante essa discussão, são muitos pontos que precisam ser afinados, é um projeto de longa data e muito complexo. Temos que apontar os pontos técnicos e o alfandegamento de uma área é um processo demorado. Hoje, Costa Marques não possui corpo técnico da Receita, mas se houver a necessidade, temos sim o interesse em atender pois o desenvolvimento do país e do Estado é fundamental”.
O prefeito de Costa Marques, Mirandão (Republicanos), observou que “essa integração é muito boa, muito esperada. Já tivemos reuniões que nos deram muita crença de que estamos avançando e de que vamos tornar esse sonho realidade”
Para o deputado federal Lúcio Mosquini (MDB) que coordena na Câmara dos Deputados as tratativas para a efetivação da ligação Brasil/Bolívia, “O Brasil tem um tratado a ser seguido há mais de 100 anos (Tratado de Petrópolis), quando se responsabilizou pela construção de uma ponte para a ligação com a Venezuela e nunca cumpriu, e não cumprirá tão cedo. A construção de uma ponte dessa envergadura demora tempo e precisa de muito dinheiro, não é do dia para a noite. Temos muito interesse nessa travessia, mas é uma jornada longa a ser seguida. Temos uma meta a ser atingida, estamos unidos e vamos buscar esta importante conquista. A importância desta travessia para o Brasil é maior do que para a Bolívia. Vocês têm produtos importantes para nós como a Ureia e o Cloreto de Potássio, porém o sal boliviano possui muita umidade e é difícil para transportar. O Brasil tem calcário para oferecer para vocês. Tem os produtos da nossa indústria nacional também que interessam aos bolivianos, mas tudo isso passa pelo governo federal. Precisamos de uma fiscalização da Receita Federal às margens do Guaporé, precisamos da fiscalização da Anvisa junto às Balsas ou ao pé da ponte, no futuro, que são as partes mais fácil desta nossa luta. Temos que ir vencendo por etapas, num trabalho técnico. Eu penso que Rondônia vai sofrer uma transformação muito grande. As regiões de Costa Marques e de Guajará ficarão ricas. Precisamos estreitar as relações políticas entre Brasil e Bolívia. Temos que aparar as arestas, falar a mesma língua. Precisamos começar essa luta com as primeiras cargas, depois disso ninguém mais segura essa relação comercial entre os dois países e os investimentos vão acontecendo de ambos os lados”, disse.
O representante da Marinha Brasileira, o Capitão de Fragata Marcelo de Souza, que ocupa o cargo de Capitão dos Portos de Porto Velho, agradeceu ao convite e parabenizou a todos pela iniciativa. “A Capitania dos portos de Porto Velho elogia a iniciativa, pois é um projeto que vem trazer muitos benefícios tanto para o Brasil quanto para a Bolívia e está à disposição para que todas as consultas sejam feitas, seja ela para a construção de uma ponte, seja para a implantação de uma balsa. Esses projetos necessariamente passam pela Marinha e teremos a maior satisfação em poder colaborar para a execução desses projetos”, disse o capitão.
O Capitão lembrou ainda da existência de um tratado de cooperação amazônico, onde metade do rio pertence ao Brasil e a outra metade à Bolívia. “Pelo tratado de cooperação amazônico temos que cumprir as normas regulamentadoras da navegação, seja aqui, seja lá, contem conosco. A Marinha do Brasil, a nossa Marinha, está aqui para colaborar e ajudar”, destacou.
Para o comandante da 17ª Brigada de Infantaria de Selva, General de Brigada Jorge Augusto Ribeiro, “por parte do exército, na área de Costa Marques que faz parte do nosso pelotão de Fronteira do Forte Príncipe da Beira, nós estamos prontos para ouvir as demandas sobre o local exato da passagem, a necessidade de construção da rodovia de acesso ao porto, para que sejam definidos esses aspectos técnicos, para que haja essa autorização por parte do exército para a utilização da área que pertence ao Exército Brasileiro. Ficamos à espera do projeto e das informações para que sejam repassadas ao nosso comando do exército, pois depende do comando geral essa autorização ou não da passagem lá pelo Forte Príncipe da Beira. Estamos à disposição para o que for necessário e o que tiver ao nosso alcance”, disse.
Usando a palavra, o corregedor geral da Assembleia de Rondônia, Guilherme Erse, aproveitou o momento para solicitar, em espanhol, apoio das autoridades bolivianas no que diz respeito à cooperação de segurança pública. Erse destacou os acordos binacionais entre Brasil e Bolívia e as relações de paz entre os dois países, e pediu colaboração das autoridades bolivianas para que os veículos, roubados no Brasil e atravessados clandestinamente para a Bolívia, quando identificados no país vizinho, sejam devolvidos aos seus verdadeiros proprietários brasileiros. De acordo com Guilherme Erse, existe um acordo para a devolução imediata de veículos roubados no Brasil, mas isso não vem acontecendo, mesmo quando as próprias autoridades bolivianas tomam conhecimento do ilícito, o que fere o acordo firmado. Para o corregedor, é necessário o fiel cumprimento da lei e dos acordos firmados, para que se possa pensar no sucesso de novos acordos mútuos. “Peço a colaboração e o empenho de vossas excelências para que possamos cumprir os nossos acordos e compromissos. Agradeço a colaboração e a presença de todos para a discussão deste tema importante que é a cooperação para que possamos ter a travessia também em Costa Marques, mas precisamos lembrar dos nossos problemas frequentes, no que diz respeito à segurança jurídica e à segurança pública”, disse.
Representando a classe empresarial, o ex-deputado rondoniense Cesar Cassol, que possui empresa em ambos os lados da fronteira, utilizou a tribuna para falar da importância deste acordo de cooperação para a promoção da travessia entre os dois países. “A abertura econômica entre Brasil e Bolívia é de fundamental importância. Aqui se fala vamos vender para a China, vamos comprar da China, vamos vender e comprar da Europa, dos Estados Unidos, mas não se negocia com o país vizinho. Estamos de costas para os nossos Hermanos bolivianos. É de fundamental importância essa abertura econômica com a Bolívia para o nosso povo. E para o povo boliviano. É a sobrevivência do nosso povo. A ureia e o potássio bolivianos são excelentes. O sal é um dos melhores do mundo (contrariando o deputado Mosquini), possui umidade, mas já tem indústria que tira essa umidade e transforma num dos melhores do mundo. Temos uma grande oportunidade de melhorar o comércio e diminuir o custo de produção e essa redução, só acontece com parcerias econômicas e comerciais. Precisamos desses acordos, precisamos dessa travessia. Precisamos dos nossos acordos sendo cumpridos”, disse Cassol, que lembrou que “quem rouba carro no Brasil não é boliviano, é Brasileiro, mas que a Bolívia tem a obrigação de devolver. É lei, cumpra-se e pronto”, pontuou.
Cassol sugeriu ainda um encontro entre o presidente do Brasil e o Presidente da Bolívia, com apoio dos senadores e deputados, para que as relações sejam estreitadas. “Há muito tempo que nossos presidentes não se reúnem para discutir uma cooperação entre os dois países, consagrar uma aliança de parceria, de negócios, de abertura comercial e isso só vai acontecer se as nossas lideranças, daqui e de lá, se falarem. O presidente brasileiro está disposto a conversar, vamos organizar esse evento e efetivar a nossa parceria com o povo boliviano”, disse.
Bolivianos
Fernando Arias, representando o Governo do Departamento de Beni, também reforçou a necessidade de uma maior aproximação entre os dois países e que a implantação da balsa é essencial nesse sentido.
O senador boliviano Walter Justiniano, apontou que as duas nações têm a ganhar, mas é preciso que as ações sejam efetivadas, saindo do discurso para a prática. “Cada avanço é importante, cada encontro desses fortalece a nossa aproximação e permite um passo maior em direção a um ambiente favorável ao comércio bilateral”.
O também senador Luiz Flores, lembrou que a Bolívia tem investido na rodovia que interliga cidades no Norte do país, com cerca de 1.200 quilômetros de extensão, com previsão de entrega em mais quatro ou cinco anos. “Região com forte pecuária, produtos primários e pecuária, com muito potencial para crescer e se desenvolver, abrindo espaços para investimentos, inclusive de brasileiros. Reconheço que é preciso uma aproximação de autoridades federais dos dois países para que essas questões sejam resolvidas, superadas em definitivo”.
Já a senadora Corina Ferreira, observou que “embora essas tratativas sejam de muito tempo, pouco avançou, infelizmente. Queremos que haja efetividade, continuidade nos avanços, pois muito se fala, muito se promete e não vemos o sonho virar realidade”.
Para a deputada estadual e presidente da Assembleia Legislativa Departamental do Beni, Cecília Geraldo Justiniano, a união de Rondônia com os departamentos do Beni e do Pando é de extrema importância para que a ligação entre Brasil e Bolívia se torne uma realidade. “É um sonho de muitos anos para todos nós que pode se tornar uma realidade, mas precisa da luta e do apoio de todos nós. Essa integração terrestre e fluvial é de extrema importância para que possamos aumentar a nossa integração e a nossa relação comercial. Será uma nova realidade para as nossas regiões no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e cultural. Poderemos importar e exportar nossos produtos, melhorar as nossas relações comunitárias e crescermos juntos numa nova realidade. Nossa região do Beni é muito sofrida, muito carente no que diz respeito a produção. Essa travessia nos dará a oportunidade de novos investimentos, de novas expectativas. Queremos essa travessia tanto quanto vocês brasileiros querem. Temos interesse nos produtos brasileiros assim como vocês brasileiros têm interesse nos produtos bolivianos como a Ureia, o sal, o cloreto de potássio, o gás natural. Já perdemos muito tempo sem essa nossa integração. Precisamos urgente transpor essas barreiras que nos afastam. Somos vizinhos, mas somos distantes. Temos que nos ajudarmos mutuamente para que possamos ser cada vez mais fortes. Quero agradecer ao presidente Alex Redano pela iniciativa deste encontro, a todos que compareceram pelo apoio e determinação e dizer que me sinto honrada em poder fazer parte desse evento histórico, representando o povo meu Departamento do Beni, que muito anseia por essa ligação, pois sabe que isso trata o progresso e o desenvolvimento para a nossa comunidade”, disse.
Proposta chinesa
Antes do encerramento do evento, o empresário chinês Kayo Kaigho Kin, representando a associação de empresários de Shandong Haing, uma província ao norte da China destacou o interesse do grupo na construção da ponte em Guajará-Mirim. Segundo ele, a proposta é real e precisa apenas de um maior contato com os governos brasileiros e bolivianos para a execução do projeto. “Hoje trazemos nosso produto via Peru/Acre e encontramos uma oportunidade de fazê-lo via Chile/Bolívia. Isso nos economizaria mais de 1 mil quilômetros. A ideia inicial é a construção da ponte em Guajará-Mirim, mas se houver interesse e para não causar discórdia, podemos também construir a ponte em Costa Marques, pois não temos o propósito de dividir as comunidades, muito pelo contrário, queremos integrar. Hoje nossos caminhões percorrem mais de 2.500 quilômetros por rodovia para transportar nossos produtos de importação e exportação. Com a ponte e a estrada na Bolívia, esse trajeto será reduzido pela metade. É um ótimo investimento. Temos os recursos para isso, já pedimos autorização do governo central da China e não exigimos nenhuma contrapartida nem no Brasil e nem da Bolívia. Precisamos apenas sentar com os dois governos para discutir a execução da obra”, disse o empresário.
Depois das falas dos participantes da audiência pública, aconteceu uma troca de honrarias, com as autoridades brasileiras recebendo uma peça de artesanato boliviano e a Assembleia Legislativa entregando medalhas aos participantes bolivianos.
Texto: Eranildo Costa Luna e Jocenir Santanna/ALE-RO