GUAYAQUIL, Equador — Autoridades prisionais do Equador afirmaram que 68 pessoas morreram e 25 ficaram feridas em um confronto entre grupos criminosos rivais no Complexo Penitenciário do Litoral, na cidade de Guayaquil, mesmo local onde, em setembro, uma outra rebelião deixou 119 mortos. O novo episódio de violência ocorre mesmo com todo o sistema prisional equatoriano sob estado de exceção, decretado pelo presidente Guillermo Lasso no mês passado.
— O contexto aqui é que não havia mais líderes da gangue que controla esta ala do presídio, porque o último desses líderes foi liberado há alguns dias — afirmou, em entrevista coletiva, Pablo Arosemena, governador da província de Guayas, onde fica Guayaquil. — Outros pavilhões, com outros grupos rivais, quiseram dominá-los, entrar no local, e aí tivemos esse massacre total.
Segundo Arosemena, os grupos criminosos são ligados ao tráfico de drogas — autoridades locais e especialistas afirmam que elas possuem laços com cartéis de narcotraficantes do México, que de forma frequente levam suas disputas para os territórios de outros países, como o Equador, que servem de ponto de transporte de drogas para os EUA e Europa.
A comandante-geral da polícia, Tannya Varela, afirmou que a rebelião começou na tarde de sexta-feira, com os primeiros relatos de violência e os sons de explosões. As forças de segurança chegaram a entrar no pavilhão, onde estão 700 detentos, mas tiveram que recuar pelo que ela descreveu como “condições adversas”. Alguns dos amotinados carregavam armas e explosivos, e não pareciam intimidados pelas bombas de gás lacrimogêneo.
— Não eram as condições para uma intervenção, então buscamos outras estratégias — afirmou Varela, citada pelo El País, no início da tarde. — Às 2h20 da manhã [4h20 em Brasília], a polícia tomou a decisão de entrar, até as 7 da manhã, e permanece ali dentro. É possível que novas ações sejam tomadas.
O governador descreveu a situação como “selvageria” e “ausência de humanidade”. Imagens que circularam em redes sociais ao longo do dia mostraram detentos implorando para que a violência fosse interrompida, além dos sons de tiros e explosões, também ouvidos por moradores de bairros próximos.
No começo da noite, o governo equatoriano afirmou que a situação voltou a a ficar tensa no presídio, com registros de novos confrontos.
— O governo nacional precisa informar: neste momento estão ocorrendo incidentes no interior da Penitenciária do Litoral, estão ocorrendo ataque de um pavilhão contra o outro — declarou, em coletiva de imprensa, o porta-voz da Presidência, Carlos Jijón. Ele revelou ainda que o presidente, Guillermo Lasso, está liderando um comitê de crise em Guayaquil, e convicou “setores da sociedade civil para começar a organizar um diálogo para tentar impedir a barbárie que está em curso.”
Calamidade
A nova rebelião ocorre pouco mais de um mês depois de um dos maiores massacres penitenciários da história da América Latina, quando 119 pessoas foram mortas, algumas delas decapitadas, no mesmo complexo prisional. O episódio teve mais vítimas do que o massacre do presídio do Carandiru, em São Paulo, quando 111 presos foram mortos em uma ação da polícia em 1992.
No incidente, gangues rivais disputavam o controle do pavilhão cinco do presídio de Guayas 1, usando facas, pedaços de pau, armas de fogo, granadas e até escopetas — imagens divulgadas em redes sociais mostraram alguns detentos portando armas de grosso calibre enquanto caminhavam pelos telhados e faziam disparos.
Em resposta, Guillermo Lasso declarou estado de exceção no sistema carcerário por 60 dias, “motivado por grave comoção interna”. O decreto autoriza a suspensão dos direitos civis dos detentos e o uso de força policial.
— É lamentável que os presídios estejam se transformando em território de disputa de poder [entre gangues criminosas] — declarou Lasso, em entrevista coletiva em Guayaquil, um dia depois do massacre. — [Estamos tomando ações para] retomar o controle da Penitenciária do Litoral e evitar que esses eventos se repitam.
Mas, como se viu não apenas na madrugada deste sábado, mas também em outros incidentes desde o massacre do final de setembro, a medida não foi suficiente para enfrentar o estado de calamidade do sistema prisional equatoriano. Hoje o número de detentos é 30% maior do que a oferta de vagas, e as prisões são conhecidas pela falta de guardas, corrupção e violência relacionada às gangues. Desde janeiro, são mais de 300 detentos mortos.
No caso do Complexo Penitenciário do Litoral, em Guayaquil, o local reúne um terço dos 39 mil presidiários do país, que são vigiados por 1.500 guardas (3 mil a menos do que o necessário, segundo especialistas).
— Na América Latina, infelizmente, nos tornamos o país com o maior massacre carcerário nos últimos anos, acima do Brasil e a Venezuela — disse à AFP o equatoriano Freddy Rivera, especialista em segurança e tráfico de drogas, em outubro.
Há cerca de um mês, Lasso ampliou o estado de exceção para todo o país, com o objetivo de conter a escalada de violência, em boa parte também relacionada ao tráfico de drogas. Apesar de ter sido inicialmente bem recebida pela população, especialistas apontam que pode ter sido uma manobra para conter o crescente descontentamento social e político com o seu governo.
Via O Globo e agências internacionais