Por um áudio de WhatsApp, uma menina de apenas 9 anos implora ajuda à tia paterna para acabar com um pesadelo que vivia há quatro anos. A criança era abusada pela mãe e o padrasto, ambos de 39 anos, em uma casa de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Na gravação, a garotinha pede para que a parente não sinta nojo dela por causa dos estupros. O caso foi divulgado pela Polícia Civil na manhã desta quinta-feira (2), e os suspeitos, que são surdos, já estão presos. O caso ocorreu na data de 02/07/2020.
O crime começou a ser investigado no dia 19 de junho, um dia após a vítima encaminhar o áudio. A criança vive com o pai, também surdo, mas frequentemente passava os dias com a mãe, no bairro Jardim Vera Cruz. No imóvel, além do casal, vivia a irmã por parte de mãe da menina, uma outra criança de 2 anos. E foi justamente por medo da caçula ser estuprada que a mais velha resolveu denunciar.
“Inicialmente, familiares da vítima nos procuraram na delegacia de Contagem contando que ela era abusada desde os 5 anos e tinha contado que era por parte da mãe e do padrasto. No áudio para a tia, a menina pedia para que acreditassem nela e que não a achassem nojenta. E a maior preocupação dela era com a irmã, o que poderia acontecer já que a vítima não mora com a mãe”, explicou a delegada Mellina Clemente.
O casal está junto há seis anos e, em conversa com a uma investigadora, que também é psicóloga, a vítima deu detalhes de como os crimes aconteciam. A família mora em um imóvel de um quarto, em que todos dormiam próximos. Ao ser presa, a mãe negou o estupro e quis colocar a culpa em familiares paternos da criança. Já o padrasto deu detalhes do que acontecia na casa. Os depoimentos foram realizados com a ajuda de um intérprete de libras da Associação de Surdos de Contagem.
“A mãe praticava diretamente os abusos, masturbava a criança e incentivava o companheiro a praticar os atos. Eles também mantinham relações sexuais com a criança. Foi uma das oitivas mais difíceis de se fazer até mesmo pelo que o padrasto relatava. O intérprete tem muita experiência em libras, a gente fazia a pergunta para ele, ele reportava para os investigados e depois nos dava a resposta”, detalhou a policial.
Padrasto achava atitude “normal”
Ainda conforme a polícia, mesmo contando o que fazia com a criança, o homem considerava a atitude “normal” alegando que não teve conjunção carnal. Por esse motivo, para ele, não haveria crime. A menina passou por exames periciais que confirmaram o rompimento do hímem. O rompimento pode ter acontecido por penetração digital.
Na casa da família foram apreendidos equipamentos eletrônicos e materiais pornográficos adulto. Em um dos celulares, a polícia localizou várias fotos da menina de 2 anos tomando banho. No entanto, o preso negou que tenha abusado da própria filha.
O Conselho Tutelar acompanha o caso.
Abalo psicológico e coação da mãe
Já na conversa com a psicóloga, a menina demonstrou ter um abalo emocional. “A gente faz o procedimento de escuta especializada até para diminuir a possível revitimização da criança que é vítima de abuso sexual. Deixamos a vontade para falar no tempo dela, e foi observado que existia uma coação por parte dos autores, principalmente por parte da mãe. Ela falava para filha que, se contasse para alguém dos abusos sexuais, se mataria, deixaria de ser mãe dela, deixaria de amá-la. Isso provoca na criança uma confusão de sentimentos. Ela não quer perder o amor da mãe, mas ao mesmo tempo é uma agressora”, explicou a psicóloga e investigadora Roberta Rodrigues.
A menina foi encaminhada ao acompanhamento psicológico para receber atendimento. “Cada ser humano reage de uma maneira. O que a gente faz é para diminuir o impacto também na vida adulta. A gente não pode frear e garantir que isso não vá acontecer. Em casos de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, a tendência é ter dificuldade de relacionamentos, falta de confiança nas outras pessoas. Relacionamentos amorosos e sexuais no futuro. Não podemos afirmar também que uma pessoa que passou por isso vai ter. Outra questão que é importante ressaltar: infelizmente é possível acontecer de vítimas de crimes sexuais infantis se tornarem possíveis potenciais abusadores”, afirmou Roberta.
Alerta
Roberta também destacou a importância da família notar mudanças de comportamento de crianças e também denunciar em caso de crimes. “A primeira fase é a negação. A família pode achar que a vítima está mentindo, mas a gente tem que pensar que uma criança tem pouco material para construir uma narrativa sexualizada se não teve um contato anterior. A orientação é: escute essa criança, dê abertura para que ela fale. Quando tem alguém duvidando fica mais difícil, dá mais força para o abusador continuar abusando e não quebrar esse ciclo”, finalizou a psicóloga.
Crimes
O casal, preso preventivamente, foi encaminhado ao sistema prisional e vai responder pelos crimes de estupro de vulnerável e satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (quando a relação sexual é praticada na frente de menores de idade). O caso ainda tem o agravante por ser mãe e padrasto da criança.
Via O Tempo
Por Carolina Caetano