O fenômeno crescente de instrumentalização do poder Judiciário para perseguir e intimidar profissionais de imprensa tem atraído cada vez mais a atenção de especialistas do direito e da comunicação. No contexto brasileiro, além das tentativas de intimidação, observa-se um empenho em punir financeiramente jornalistas e veículos de imprensa. A constatação é do advogado da organização internacional Media Defence, Carlos Eduardo Gaio. Em live promovida pela Abraji, na última quarta-feira, 8, Gaio, Tais Gasparian, advogada especialista em mídia e internet, e Tai Nalon, diretora executiva de Aos Fatos, discutiram o assédio judicial no jornalismo.
No debate, mediado por Reinaldo Chaves, coordenador de projetos da Abraji, Carlos Eduardo Gaio mencionou os valores altos solicitados em ações judiciais como indenização por conteúdos publicados, que muitas vezes tratam de assuntos de interesse público. Segundo o advogado, figuras públicas, como políticos, devem aceitar críticas. “Não quer dizer que vale tudo. Mas essas figuras têm que estar mais dispostas a aceitar críticas da opinião pública”, disse. Gaio lembrou que, ao se colocar nessas funções, os políticos se submetem ao escrutínio público.
Segundo dados do Ctrl+X, iniciativa da Abraji que passou a monitorar a prática de perseguição judicial contra jornalistas, dentre os 5.526 processos registrados no banco de dados do projeto, 198 pedem indenização. Confira aqui uma apresentação que foi compartilhada na live com mais informações sobre o Ctrl+X.
Do ponto de vista do poder Judiciário, Gaio afirma que a esfera deve estar mais atenta à questão do assédio judicial e coibir esse tipo de ação “com base em princípios e interpretações do direito à liberdade de expressão que protege assuntos de interesse público e a liberdade de imprensa”.
Apesar de não haver uma jurisprudência para definir o assédio judicial, Tais Gasparian caracterizou como um mau uso do direito de ação em dois tipos. O primeiro se refere à situação em que uma pessoa ou organização é objeto de ataque de múltiplas ações. “É como se a pessoa fosse objeto de ataque de mísseis, porque vem de diversas direções num curto espaço de tempo”, explica Gasparian. Um exemplo recente é o do escritor J. P. Cuenca, alvo de mais de 140 processos por ter feito declarações relacionadas à Igreja Universal.
O segundo tipo de assédio ocorre quando a pessoa alvo de reportagens promove múltiplas ações na Justiça. “Uma pessoa processando, por exemplo, todos os jornalistas que falem dela. Essa pessoa que processa a todos está atacando uma causa que, neste caso, é a liberdade de imprensa”, afirmou a advogada. Em junho de 2021, um levantamento compilado pela Abraji revelou o comportamento sistemático do empresário Luciano Hang de tentar silenciar vozes críticas, mostrando a intolerância de Hang à exposição de questões embaraçosas – mas de interesse público – relacionadas a ele.
Na live, Tai Nalon compartilhou a experiência do site de checagem Aos Fatos, que chegou a enfrentar, simultaneamente, cinco processos judiciais, todos iniciados em 2020. Levando-se em conta a estrutura organizacional enxuta do site, essas ações acabaram por gerar constrangimentos editoriais e financeiros. “Antes, eu escrevia, reportava e conduzia mais investigações, mas resolvi me afastar dessa parte justamente para poupar o Aos Fatos desse tipo de problema. Tudo aquilo que eu, eventualmente, investigasse sobre determinado site poderia virar contra o Aos Fatos”, contou Nalon.
A jornalista assinalou ainda casos em que determinada pessoa, alvo de alguma investigação jornalística, não responde (ou responde vagamente) o contato feito pelos repórteres, mas entra com processo pedindo direito de resposta para “garantir que uma resposta gigantesca ou ataques ao veículo jornalístico sejam publicados obrigatoriamente”.
Dicas dos convidados
Ao final do debate, Reinaldo Chaves convidou os advogados e a jornalista a compartilharem conselhos voltados a profissionais que estejam enfrentando ou possam vir a lidar com o assédio judicial. Cabe destacar a fala de Tai Nalon sobre a importância da colaboração para o enfrentamento desse problema. Para ela, tanto a associação à entidades, como a Abraji e a Ajor, quanto a parceria entre veículos por meio de consórcios, como o Panama Papers, são maneiras de conseguir proteção.
Carlos Eduardo Gaio, por sua vez, aconselhou profissionais vítimas de assédio judicial a buscar o quanto antes um(a) advogado(a) para defendê-los(as) de forma competente. “Não espere que o juiz ou juíza tenha bom senso para arquivar o processo e rejeitar a denúncia”, recomendou. O advogado lembrou também que organizações como Tornavoz, Abraji e Media Defence têm apoiado jornalistas nessas situações. A Abraji oferece assistência jurídica gratuita a jornalistas e pequenos veículos que não tenham condições de arcar com a própria defesa.
Para assistir ao encontro virtual completo, clique aqui.
*Conteúdo originalmente publicado no site da Abraji