Rejane de Sousa Gonçalves Fraccaro, juíza titular da comarca de São Miguel do Guaporé designou audiência de instrução e julgamento para o dia 15 de outubro de 2020, às 10h15min, para ouvir o prefeito Cornélio Duarte de Carvalho e seu irmão Neudson Duarte de Carvalho, referente aos autos de número 7000942-91.2019.8.22.0022, na ação civil de improbidade administrativa, intentada pelo Ministério Público do Estado de Rondônia.
Analice da Silva, promotora de justiça em substituição que assinou a peça inaugural, relata os fatos que convenceram a justiça pública a propor a ação que se for julgada procedente levará o prefeito à perda dos direitos políticos, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos, nos termos do artigo 12, inciso III, também da Lei n. 8.429/1992, bem como condenação à prática de violação dos princípios da administração pública no tocante aos deveres da honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, por retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, com fulcro na mesma lei acima mencionada. Veja a seguir a íntegra do pedido da promotoria de justiça da comarca de São Miguel que pede a condenação do prefeito e seu irmão:
“Chegou a conhecimento desta Promotoria de Justiça, em 16 de julho de 2018, através de denúncia anônima, a ocorrência de atos ímprobos, consistentes na designação do motorista NEUDSON DUARTE DE CARVALHO para a realização de viagens ao município de Porto Velho/RO, em acompanhamento do Prefeito CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, irmão de NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, resultando em vínculo de hierarquização indevido, dado o parentesco existente, e consequente favorecimento pessoal em benefício do motorista. As condutas perpetradas pelos Demandados alhures mencionados configuram-se como atos de improbidade administrativa, por terem violado os princípios da administração pública, notadamente a legalidade, impessoalidade e moralidade. Visando melhor apurar tais fatos, fora instaurado Inquérito Civil Público n. 024/2018/PJ-SMG (ParquetWeb n. 2018001010070699), que serve de arrimo à presente Ação Civil Pública. Segundo apurado através das peças inclusas, nos meses de fevereiro, março, abril, maio e junho de 2018, o Demandado NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, motorista dos quadros da Secretaria Municipal de Educação, realizou viagens para o município de Porto Velho, com objetivo de acompanhar o Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, Prefeito desta cidade, nas atividades inerentes ao seu cargo. Para comprovar o alegado, vejamos o portal da transparência da Prefeitura de São Miguel do Guaporé: Extrai-se do quadro acima a ocorrência simultânea de prestação de serviços em prol da Secretaria Municipal de Educação, lotação original de NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, além de atividades desempenhadas para o Gabinete do Prefeito, em 07 (sete) viagens a Porto Velho. Nesta certeza, vejamos, por amostragem, algumas das viagens realizadas por NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, a serviço do Prefeito CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO no ano de 2018. Viagem – 26 a 28 de março de 2018. Viagem – 01 a 05 de abril de 2018: As viagens acima colacionadas, além de outras que foram realizadas pelos Demandados, foram pagas pela municipalidade por meio dos processos n. º 484, 563, 755, 856, 893, 950, 985 e 1076 todos do ano de 2018, os quais seguem em anexo à presente exordial.
Impende destacar, neste momento, que tal conduta já havia sido alvo de investigações por este Parquet no ano de 2017, por meio do procedimento n. º 2017001010007528, onde fora expedida a Recomendação Ministerial n. º 002/2017, cujo objetivo era compelir o gestor municipal CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, ao afastamento da subordinação direta entre parentes, ocorridas na seara desta municipalidade (em anexo). Na ocasião, o Prefeito retirou o servidor em questão das atividades exercidas no Gabinete para relocá-lo na Secretaria Municipal de Educação. Todavia, desde o início do ano de 2018, NEUDSON DUARTE DE CARVALHO voltou a realizar viagens em acompanhamento de CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, descumprindo com a Recomendação expedida. Neste trilho, com fito de melhor instrução do procedimento preparatório em questão, o Demandado NEUDSON DUARTE DE CARVALHO foi ouvido nesta Promotoria de Justiça em 02 de outubro de 2018, ocasião em que confirmou a veracidade dos fatos, relatando categoricamente que, embora sua atual lotação seja na Secretaria Municipal de Educação, realizara serviços em prol do Gabinete do Prefeito, local em que suas atividades estariam restritas. Atentemos para suas declarações: […] Que atualmente está lotado na Secretaria Municipal de Educação de São Miguel do Guaporé, como motorista de Viaturas Pesadas; Que está lotado na SEMED todo o ano de 2018; Que, embora esteja lotado na SEMED, também realiza transporte do Secretário de Educação e do Prefeito até Porto Velho; Que nos casos em que o declarante realiza viagens a Porto Velho, o chefe do transporte providencia outro motorista para realizar o trecho do transporte escolar no qual é lotado […] Que o senhor Gelson Sabino, Chefe de Transporte, é o servidor responsável por designar motorista para transportarem servidores e autoridades do município em viagens; Que acredita que apenas os motoristas da Educação realizem transporte do Prefeito; Que além do declarante, os motoristas João Paulo de Oliveira e Cleves Rodrigues Tomaz, ambos da SEMED […]. (Termo de Declaração de Neudson Duarte de Carvalho, em 02 de outubro de 2018, às 17h10min, na sede da Promotoria de Justiça de São Miguel do Guaporé-RO). – Grifos nossos.
Corroborando o descumprimento do instrumento recomendatório alhures mencionado, o Coordenador de Transporte Escolar, Gelson Oliveira Sabino, confirmou que NEUDSON DUARTE DE CARVALHO é lotado na Secretaria Municipal de Educação – SEMED, e que também realiza viagens, como motorista, para levar o Prefeito até o destino pretendido. Ainda segundo a testemunha, é o Prefeito quem escolhe qual motorista irá acompanhá-lo. Vejamos trecho de suas declarações: […] Que é responsável apenas pelos veículos da Educação; Quando o Prefeito ou algum secretário solicitam que algum veículo da Educação seja emprestado para realizar viagens, o declarante indica um motorista da Educação para realizar a viagem, a fim de evitar mau uso dos veículos dessa secretaria; [..] Que nos casos de veículos do Gabinete, o responsável por indicar o motorista é o Prefeito; Que Neudson atualmente é lotado na SEMED, como motorista de viaturas pesadas; Que no ano de 2018, Neudson realiza transporte de alunos desde o primeiro dia letivo; […] Que os motoristas Neudson, Cleves Tomaz, Calos Cezar, Valeriano, João Paulo, Osvaldo Pissinat, Edvaldo Pesente, são os nomes que o declarante já indicou para realizar viagens com o Prefeito […]. (Termo de Declaração de Gelson Oliveira Sabino, em 07 de novembro de 2018, às 16h40min, na sede da Promotoria de Justiça de São Miguel do Guaporé-RO) – Grifos nossos. Nessa linha intelectiva, ressai dos autos o favorecimento pessoal existente em razão do parentesco entre o Prefeito CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e o motorista (seu irmão) NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, porquanto, não obstante as indicações de outros motoristas da mesma categoria para a realização do transporte da autoridade nas viagens, em diversas oportunidades o Prefeito escolheu seu irmão como forma de favorecê-lo financeiramente pelo percebimento de diárias.
Outrossim, volto a destacar que o Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO foi compelido por esta Promotoria de Justiça, através da Recomendação Ministerial n. º 002/2017, lavrada em 06 de abril de 2017, a promover remoção do motorista e também seu irmão dos quadros do Gabinete, a fim de afastar a subordinação direta entre parentes. Na ocasião supracitada, o Demandado foi advertido das consequências da desatenção ao cumprimento dos termos recomendatórios, notadamente quanto ao ajuizamento de Ação Civil Pública, sem prejuízo de outras medidas legais cabíveis nas esferas cível, criminal e administrativa. No mesmo diapasão, o motorista NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, mesmo ciente da ilegalidade do ato que praticara, retornou às atividades no Gabinete, a fim de beneficiar-se com o recebimento de diárias, em total descaso com as regras regentes. De tal sorte, o Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO esteve ciente da irregularidade constatada, mesmo assim, retornou a praticá-las, em total afronta as legislações aplicáveis à espécie, situação esta caracterizadora do dolo do agente público na permanência da conduta expressamente vedada. Posta assim a questão, considerando as provas testemunhais e documentais de que havia subordinação direta entre irmãos, a saber, entre o Prefeito de São Miguel do Guaporé-RO, CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e o motorista NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, tais são inequívocas e capazes de corroborar as condutas ímprobas por eles praticadas.
Sobretudo, tem-se por inquestionável que a conduta praticada por CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO revela-se completamente contrária e incompatível com preceitos éticos e morais intrínsecos à função de Prefeito de São Miguel do Guaporé-RO, à conduta ilibada exigida de um Gestor Municipal. Depreende-se, consequentemente, que suas ações afrontam de forma direta os Princípios que norteiam Administração Pública, implicando na prática de improbidade administrativa, conforme será amplamente demonstrado a seguir, não restando outra via a não ser a judicial para dirimir o caso em tela. II – DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI N. 8.429/92) A improbidade administrativa tem como peculiaridade seu grave potencial lesivo. Mais que sua nociva repercussão sobre a vida social, pelo mau exemplo que dissemina e pelo rótulo de descrédito que aplica à classe dirigente, agride agudamente os princípios nucleares da ordem jurídico-constitucional. A esse respeito: Na ontologia jurídica, a improbidade administrativa é um fato jurídico e, como tal, uma conduta humana positiva ou negativa, de efeitos jurídicos involuntários. Inserta na categoria das ilicitudes, sua prática, quando detectada, acarreta para seu autor sanções civis, administrativas e, quase sempre, criminais, posto tratar-se de ilícitos pluri-subjetivos, quer dizer, que agride de uma só vez diversos bens jurídicos tutelados pelo Direito Privado, pelo Direito Público e, dentro deste, pelo Direito Penal (PAZZAGLANI FILHO, Marino. Improbidade Administrativa. Atlas, 1999, p. 13). Os atos de improbidade administrativa estão disciplinados na Lei n. 8.429/94, a qual classifica os referidos atos em hipóteses que acarretam enriquecimento ilícito, dano ao erário e afronta aos Princípios da Administração Pública (artigos, 9º, 10 e 11, Lei nº. 8.429/92). Dito isso, passa-se à análise do tipo de ato de improbidade praticado pelos Demandados CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e NEUDSON DUARTE DE CARVALHO. II.I – DA AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO (ART. 11, LEI 8.429/92).
A essência da Constituição é ser o fundamento de validade de toda ordem jurídica, pelo que todos os comportamentos desconformes com ela ou aos princípios nela consignados devem ser considerados inconstitucionais. O artigo 37, caput, da Carta Maior reza que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, […]”. Com essa redação, a Constituição Federal de 1988 abre o Capítulo “Da Administração Pública”, elegendo e apontando os princípios aos quais a Administração, em todos os segmentos, deve ter estrita observância. Destarte, uma vez que a atividade administrativa é plenamente subordinada à Lei, infere-se que a Administração, assim como seus agentes, não tem disponibilidade sobre os interesses públicos, mas apenas o dever de curá-los nos termos das finalidades predeterminadas legalmente, compreendendo, assim, que estejam submetidas aos referidos princípios, quais sejam, da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (art. 37, caput, CF/88).
Vale lembrar que os princípios, que são os alicerces da ciência jurídica, as bases para toda a construção do Direito, já foram tidos como meros instrumentos de interpretação e integração das regras legais. Era a estreiteza da visão positivista que atribuía ao direito posto caráter preponderante em nossa ciência. Hoje, contudo, vivemos um período pós-positivista, sendo certo que os princípios deixaram de ser vistos como mero complemento das regras e passaram a ser também considerados normas cogentes (fazendo-se mister a distinção entre normas-princípios e normas-disposições), impondo-se, sem dúvida, sua estrita observância. No caso em testilha, verifica-se que as condutas praticadas pelos Demandados CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e NEUDSON DUARTE DE CARVALHO caracterizaram ato de improbidade administrativa por afronta aos Princípios da Administração (art. 11 da Lei n. 8429/92), notadamente os Princípios da Legalidade, Moralidade e Impessoalidade. Isso porque CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, quando autorizou e determinou que seu irmão NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, realizasse viagens em seu acompanhamento, atuou em afronta a ética exigida para o agente político, utilizando-se do cargo para o benefício de parente, mediante acordo desprovido do caráter e idoneidade pública que rege a atuação de um Prefeito.
II.II – DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Das lições de Hely Lopes Meireles extrai-se que a legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal. Nesse diapasão, Alexandre de Moraes assevera que o princípio da legalidade aplica-se de forma mais rigorosa à Administração Pública, in vereis: […] o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizado em lei e nas demais espécies normativas, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitido a realização de tudo que a lei não proíba. Esse princípio coaduna-se com a própria função administrativa, de executor do direito, que atua sem finalidade própria, mas sim em respeito à finalidade imposta pela lei, e com a necessidade de preservar-se ordem jurídica (MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, 14ª ed., SP Atlas, 2003. p.331 – Grifo nosso).
É certo que o principal alicerce do Estado de direito é a superveniência à lei. A administração nunca atua em nome próprio, só faz o que a lei expressamente determina. O agente público está absolutamente dependente da reserva legal para realizar seus atos em nome da Administração, por isso obrigado ao estrito cumprimento do dispositivo legal na condução de seus trabalhos. Infere-se dos autos do procedimento apuratório que, em suas ações, o Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO utilizou-se de sua função de Prefeito para fins diversos dos quais se destinavam, oportunizando que seu irmão NEUDSON DUARTE DE CARVALHO se beneficiasse com o pagamento de diárias em razão da realização de viagens em acompanhamento do alcaide. Com tal conduta, CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO atuou na imputação de uma gratificação pecuniária em prol de seu irmão NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, em afronta a lei e as normas infralegais que regem o ente municipal, ofendendo chapadamente o princípio da legalidade, o qual deveria norteá-lo. A norma do artigo 11 e seus incisos exemplificativos fundam-se justamente na necessidade de prevenir disfunções administrativas que promovem a substituição das metas públicas por interesses individuais e, também, na disposição para reprimir condutas de agentes públicos comprometedoras da prestação regular dos serviços que titulam.
Se a competência administrativa é utilizada para a satisfação de qualquer outro interesse, o labor administrativo se converte em instrumento de uma disfunção, implementada pela vontade do agente público. Ora, todo agir administrativo desviado de seu caminho legal, por desígnio antijurídico do agente público, deixa à calva o desprezo pelos deveres que justificam a função pública, como um compromisso com a sociedade, antes que com o Poder Público, e pelo incontroverso confronto com a moralidade administrativa. Portanto, in casu, resta patente que as condutas dos Demandados CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e NEUDSON DUARTE DE CARVALHO atentam diretamente contra o Princípio da Legalidade. II.III – DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE De acordo com o Princípio da Moralidade, a administração e seus agentes têm de atuar na conformidade aos princípios éticos. Violá-los implicará afronta ao próprio direito, configurando verdadeira ilicitude. Para que o binômio “direitos dos administrados – prerrogativas da administração” configure desejável sintonia de cooperação entre o cidadão e o Estado, a credibilidade dos órgãos, serviços e agentes é requisito indispensável. Na linha de intelecção de Meirelles, tem-se que: […] o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta.
Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto […] (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Ed. Medeiros, 2012 – Grifo nosso). Nesse contexto, exige-se de todo e qualquer agente público que possua um contingente mínimo de predicados ligados à moralidade pública, tais como honestidade, lealdade às instituições, imparcialidade, respeito, cordialidade, enfim, a probidade. Em face dos fatos e fundamentos até aqui explicitados, infere-se que as condutas do Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, foram praticadas com o dolo de beneficiar particular, notadamente seu irmão NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, configurando nítido favorecimento pessoal, e demonstrando claramente a ausência de ética, portanto, violando diretamente o Princípio da Moralidade. Similarmente ao caso em comento, tal foi objeto de discussão no Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em que restou assente o entendimento a este respeito, senão vejamos: Ação civil pública. Improbidade administrativa. CARGO PÚBLICO. FAVORECIMENTO PESSOAL.
Implica em ato de improbidade administrativa a utilização de influência política, ofensiva aos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade, impondo a aplicação das sanções específicas. (TJ-SC – AC: 224823 SC 2003.022482-3, Relator: Sônia Maria Schimitz, Data de Julgamento: 17/04/2008, Terceira Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Apelação Cível n., de Correia Pinto). Não é suficiente que o agente permaneça adstrito ao princípio da legalidade, sendo necessário que obedeça à ética administrativa, estabelecendo uma relação de adequação entre seu obrar e a consecução do interesse público. Nessa perspectiva, a Moralidade limita e direciona a atividade administrativa, tornando imperativo que os atos dos agentes públicos não subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos administrados, o que permitirá a valorização e o respeito à Dignidade da Pessoa Humana. De tal sorte, como a ética e o respeito devem presidir nas atribuições de Prefeito que o Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO exercia, sendo que, de maneira moral e jurídica, não deve este utilizar o desfrute de vantagens do referido cargo para beneficiar terceiros, no caso, seu irmão NEUDSON DUARTE DE CARVALHO. Agindo assim, feriu indelevelmente o Princípio da Moralidade o conteúdo ético da função administrativa, máxime no âmbito do serviço público. II.IV – DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE O princípio da Impessoalidade impõe ao administrador a prática de ato apenas para o seu fim legal, de forma impessoal, visando apenas o interesse público. Determina que a Administração pública deve tratar todos os cidadãos de forma igual, sem nenhum tipo de distinção, preferência ou privilégio.
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como ‘ todos são iguais perante a lei’, (art. 5º, caput), a foriori teriam de sê-lo perante a Administração. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de Curso de Direito Administrativo, 19ª ed. SP, Malheiros, 2005. p. 227.) No caso sob exame, CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO exerceu preferência na designação do motorista NEUDSON DUARTE DE CARVALHO, como uma forma de favorecimento pessoal, por ele ser seu irmão, beneficiando vínculos familiares ao arrepio das proibições legais.
O Demandado CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO, portanto, buscou satisfazer interesse eminentemente pessoal, sem respaldo legal, dando tratamento diferenciado a certo cidadão. Tal conduta ofende veemente o Princípio Constitucional da Impessoalidade, o qual determina à Administração pública o dever de tratar todos os indivíduos de forma igual, sem nenhum tipo de distinção, preferência ou privilégio, tampouco em razão de apoio familiar. III – DOS PEDIDOS Com base em todos os fatos e fundamentos acima elencados, o Ministério Público do Estado de Rondônia requer a Vossa Excelência o que se segue: a) seja expedida notificação prévia dos Demandados CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e NEUDSON DUARTE DE CARVALHO para que, querendo, ofereça manifestação por escrito, no prazo de quinze dias, podendo juntarem documentos e apresentarem justificativas (art. 17, § 7º, da Lei n. 8.429/92); b) Em seguida, apresentada ou não a defesa preliminar, pugnasse pelo recebimento da presente peça inaugural, determinando-se a citação dos Demandados para, querendo, apresentem contestação, (art. 17, § 9º, da Lei n. 8.429/92); c) Pugna-se, outrossim, pela citação do Município de São Miguel do Guaporé-RO, na pessoa de seu Procurador Municipal, para, querendo, integrar a lide como litisconsorte ativo, conforme previsto no art. 17, § 3º, da Lei nº 8429/92; d) Requer a juntada dos documentos extraídos do procedimento extrajudicial n. 2018001010070699, o qual embasa a propositura da presente ação; e) requer seja oficiado ao Departamento de Recursos Humanos do ente municipal para que este remeta a este juízo cópias referentes aos três últimos contracheques dos agentes públicos em testilha, visando subsidiar a mensuração da multa civil a ser aplicada na hipótese da procedência da presente ação; f) Ao final, requer-se seja julgado procedente o pedido formulado na presente demanda, para condenar os Demandados CORNÉLIO DUARTE DE CARVALHO e NEUDSON DUARTE DE CARVALHO pela violação do disposto no artigo 11, inciso II, da Lei n. 8.429/1992, ante a prática dos atos de improbidade administrativa que afrontaram os Princípios da Administração Pública, aplicando-lhe as penas previstas no artigo 12, inciso III, também da Lei n. 8.429/1992; Requesta-se, outrossim, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e advocatícios, e outras despesas (art. 18, Lei n. 7.347/85) e, em caso de procedência, a condenação dos réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais. Protesta-se provar os fatos aqui alegados por todos os meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico”, finalizou a promotora.
Ao receber a exordial, a magistrada fixou os pontos controvertidos da ação civil pública de improbidade em desfavor do prefeito e seu irmão consignando o seguinte: a) se houve as viagens do requerido Neudson, irmão do requerido Cornélio; b) se houve violação dos princípios norteadores da administração pública; c) se a ação ou omissão dos réus caracteriza ato ilegal imbuído de dolo ou culpa; d) se houve prejuízo ao erário e/ou enriquecimento ilícito do agente público; e) qual a extensão dos prejuízos. Por último, registrou quanto às provas que serão admitidas para o julgamento do caso concreto: a) prova documental nova, assim concebida como a juntada de documentos inexistentes ou inacessíveis no momento da propositura da ação (autor) ou apresentação da resposta do réu; b) prova testemunhal; c) depoimento pessoal das partes e do (s) réu (s) ao critério do juízo, por entender que as tais são suficientes ao deslinde do feito”, frisou.
Da redação – Planeta Folha (Com assessoria)