Com a popularização do futebol como um dos esportes prediletos entre as mulheres, a lesão do ligamento cruzado anterior (LCA) passou a ser uma das causas mais comuns de cirurgias no meio das atletas. Recentemente, esse tipo de lesão era muito mais frequente entre os homens, pois eles predominavam em esportes como futebol, basquete e lutas, que envolvem contato físico e mudanças de direção constantes.
Com a participação feminina crescente no futebol, houve um aumento no número de mulheres acometidas pela ruptura do ligamento cruzado anterior. “Mais do que isso: quando analisamos atletas da mesma modalidade e no mesmo nível de competição, observamos que o risco de lesões entre as jogadoras chega a ser até oito vezes maior do que entre os jogadores”, informa o médico ortopedista de joelho que atua na Seleção Brasileira de Futebol Feminino, João Hollanda.
Existe uma série de aspectos relacionados com o maior risco de rompimento do ligamento cruzado anterior entre as mulheres, alguns deles modificáveis e outros não. Esses são fatores intrínsecos (relacionados ao corpo da mulher) e extrínsecos (relacionados às características do futebol e de como é o seu treinamento).
Fatores de risco intrínsecos
Características anatômicas, diferenças na mecânica dos movimentos, pior controle neuromuscular e fatores hormonais estão associados ao maior risco de lesão do ligamento cruzado anterior entre as mulheres jogadoras.
Fatores anatômicos
Segundo João Hollanda, uma das características anatômicas femininas que aumenta o risco de lesão no joelho é que o espaço intercondilar, onde fica o LCA, é mais estreito nas mulheres do que nos homens. “Isso limita a mobilidade do ligamento durante os movimentos de torção do joelho, muito comum no futebol, principalmente quando a atleta vai receber a bola durante o jogo. Também favorece o impacto entre o ligamento e a parede óssea ao redor”.
Além disso, as mulheres apresentam a bacia mais larga, o que afeta o alinhamento dos joelhos e da musculatura ao redor do joelho e do quadril, favorecendo os movimentos torcionais.
Fatores hormonais
O ciclo menstrual é regulado por um conjunto de hormônios sexuais que atuam não apenas sobre o aparelho reprodutor, mas também sobre diversas estruturas do corpo feminino, inclusive os ligamentos. Dependendo da fase do ciclo menstrual, os ligamentos apresentam maior ou menor elasticidade.
Segundo João Hollanda, “as variações hormonais podem influenciar também no controle neuromuscular e na capacidade de concentração da atleta, o que pode deixá-la mais vulnerável a situações de risco durante a partida. Ainda que as lesões possam ocorrer em qualquer fase do ciclo, elas são mais frequentes nos períodos pré-menstrual e menstrual”, relaciona o médico.
A influência do ciclo menstrual é bastante variável de acordo com a atleta, bem como a resposta ao uso de pílulas anticoncepcionais. Mas há estudos que mostram menor incidência da lesão do ligamento cruzado anterior em jogadoras que fazem uso das pílulas.
Fatores biomecânicos e neuromusculares
As mulheres tendem a apresentar fraqueza relativa à musculatura dos quadris, glúteos e coxa. Elas ainda têm mais dificuldade em manter um bom alinhamento da perna em movimentos comuns no futebol, como saltos ou mudanças de direção. Isso aumenta o risco para movimentos torcionais e lesão do ligamento do joelho.
Fatores extrínsecos
Os fatores extrínsecos são aqueles que não estão diretamente relacionados ao corpo feminino. São aspectos subjetivos e com dificuldade de serem mensurados. Por isso, são pouco citados em estudos, mas impactam com maior incidência de lesões entre as mulheres.
Menos acesso à equipe médica e de fisioterapia
Programas preventivos como o “FIFA 11+” reduzem em até 50% a incidência de lesões do ligamento cruzado anterior. Programas individualizados de prevenção baseados em testes específicos mostram-se ainda mais efetivos. Médicos, fisioterapeutas ou mesmo preparadores físicos e fisiologistas têm papel preponderante na implementação destas iniciativas, principalmente no futebol feminino.
Campos para treino e jogos mais precários
Campos duros e esburacados elevam o risco de torção do joelho e as consequentes lesões ligamentares. As atletas femininas são mais frequentemente colocadas para jogar futebol no sacrifício, devido a menor quantidade de jogadoras para substituição e pela diferença no nível técnico entre as competidoras.
Calendário menos organizado
Muitas equipes não têm atividades durante o ano inteiro e as trocas de clubes ao longo da temporada são frequentes. Até mesmo jogadoras em nível de seleção, eventualmente passam parte da temporada sem clube. Isso faz com que, muitas vezes, as atletas cheguem aos eventos principais em condições físicas abaixo do ideal, aumentando o risco de lesões.
Resultado da cirurgia em jogadoras de futebol
Atletas que sofrem lesão do ligamento cruzado anterior podem passar por procedimento cirúrgico. De acordo com o ortopedista João Hollanda, o resultado da reconstrução em mulheres é equivalente ao observado entre os homens, tanto em relação ao risco de novas lesões quanto ao retorno à prática esportiva.
“Clinicamente, as atletas tendem a ficar com uma frouxidão discretamente maior do que os homens. Essa diferença, atribuída à influência dos hormônios, não é percebida pelas pacientes. Portanto, tecnicamente, não existem diferenças entre as cirurgias feitas em homens e em mulheres.”
João Hollande ressalta que o resultado da reconstrução do ligamento cruzado anterior depende da qualidade da reabilitação pós-operatória. Ao menos no nível competitivo e profissional, os atletas homens costumam ter centros de fisioterapia de melhor qualidade à disposição, propiciando uma recuperação mais completa do que as jogadoras de futebol feminino.