O Ministério da Educação (MEC) teria descumprido novamente duas decisões judiciais no caso relativo às autorizações de cursos de medicina ao suspender, por meio de duas portarias publicadas na terça-feira (26/03), os processos relativos aos cursos do Centro Universitário Facens (Unifacens) em Sorocaba e do Centro Universitário Mauá (Unimauá), de Brasília. É o que aponta a Abrafi (Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades). Nesta terça-feira (02/04), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, derrubou a portaria do MEC que suspendeu o curso da Unimauá, liberando o funcionamento regular do curso. O curso da Unifacens, no entanto, continua suspenso.
A entidade, que pretende notificar o MEC para que o órgão explique por que deixou de atender as decisões judiciais, afirma que os dois cursos estavam com seus processos em tramitação na Seres (Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior) há bastante tempo e, como não havia a finalização dos processos, as instituições obtiveram, há pouco mais de um mês, uma decisão judicial favorável no TRF-1 para a realização dos vestibulares. Os processos seletivos foram feitos, assim como as matrículas dos alunos selecionados. Não houve a derrubada da decisão na Justiça e, no último dia 26 de março, o MEC determinou aplicação de medidas cautelares administrativas que incluía a suspensão do ingresso de estudantes no curso de medicina, instaurando, ainda, processos de supervisão (que impede até mesmo a participação por parte das instituições no edital do Mais Médicos). Em manifestação à Justiça, O MEC alegou que a Justiça havia apenas liberado o processo seletivo e não as matrículas do curso, argumento rechaçado pela Abrafi e pelo TRF-1 em decisão dessa terça-feira (02/04)
“O MEC está se utilizando de um argumento retórico para justificar a instauração do procedimento administrativo, alegando que a determinação judicial foi apenas para a realização do processo seletivo e não das matrículas, mas claro que as matrículas e o ingresso dos alunos são inerentes ao processo seletivo. Esse argumento foi corroborado pela decisão do TRF-1 desta terça-feira que liberou o funcionamento do curso da Unimauá. Isso cria uma insegurança jurídica muito grande para todos os processos que estão em tramitação, sobretudo porque o MEC não tem cumprido os prazos para a publicação de portarias nesses casos, mesmo com determinações judiciais, inclusive a Medida Cautelar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes no âmbito da ADC n.º 81”, destaca o presidente da Abrafi Paulo Chanan, ressaltando que grande parte das instituições passaram por todos os processos de avaliação por parte do INEP, obtendo conceitos satisfatórios, receberam parecer opinativo do CNS, muitos com o encaminhamento de recomendação para a autorização do curso, mas tiveram seus processos administrativos parados na Secretaria indefinidamente.
Por outro lado, a Abrafi reforça a incoerência do MEC ao também autorizar, de forma atropelada, o funcionamento de um novo curso de medicina para a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), na cidade de Baturité, no Ceará, com a disponibilização de 46 vagas. A Abrafi ressalta, porém, que esteve no local destinado para receber o curso e recebeu informações de pessoas que lá trabalham que o local ainda está em fase de negociação para a disponibilização para o poder público.
Segundo Paulo Chanan, outro agravante é que o processo da UNILAB no EMEC foi iniciado no final do ano passado, mais especificamente no mês de dezembro e foi aprovado sem os cuidados necessários em relação à estrutura, corpo docente necessário e outros critérios previstos, tanto nos instrumentos de avaliação do INEP, quanto na legislação do Mais Médicos. “Como vimos no local, não há qualquer estrutura para receber o curso e o processo correu em tempo recorde para sua liberação. Então o que se percebe é que há um tratamento diferenciado por parte do MEC a fim de agilizar a abertura de cursos em instituições públicas e em retardar, inclusive com a inserção de novos instrumentos burocráticos, ou até mesmo impedir o funcionamento de novos cursos de instituições privadas”, frisa ele.
Para a Abrafi, tem havido discrepâncias e falta de critério ao indeferir um curso bem avaliado e liberar um curso que não passou por nenhuma avaliação. “É um tratamento desigual. Trata-se de um desrespeito aos investimentos privados realizados, ao trabalho do INEP, que fez as avaliações com cuidado, levando em conta critérios técnicos e objetivos, às indicações do Conselho Nacional de Saúde e a população em geral, na medida que impede boas ofertas. Deve ser levado em consideração, ainda, que não foi divulgada qualquer dotação orçamentária para a contratação de professores, construção de laboratórios e demais estruturas físicas e tecnológicas, além da existência de convênios necessários para a realização de práticas e estágios”, reclama.
Os cursos de Sorocaba e de Brasília estão entre aqueles que estão sob judice por conta do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 81/DF (ADC 81) no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento trata sobre a modulação dos efeitos da Lei do Mais Médicos, ou seja, define a partir de qual etapa os cursos de medicina com processos já abertos poderão seguir considerando a lei. Está em jogo se prevalecerá a tese da liminar do ministro Gilmar Mendes (atualmente em vigor) que estabelece a continuidade dos processos que já tenham passado da fase inicial da documentação. Atualmente o julgamento está em 3×2 seguindo a lógica do voto do ministro Gilmar Mendes, além de um voto do ministro André Mendonça demandando uma nova classificação para os cursos de medicina. O julgamento está paralisado após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Desde agosto, quando o julgamento se iniciou, a Abrafi também apontou que o MEC tentou descumprir a liminar de Gilmar Mendes em pelo menos três oportunidades, buscando suspender os processos sob judice e alterar critérios de aprovação dos cursos de medicina no edital do Mais Médicos. A atuação do MEC demandou uma nova decisão de Gilmar Mendes em 22 de dezembro. “Nessa decisão o ministro destacou as claras irregularidades presentes nas referidas portarias e reforçou a necessidade de se cumprir a decisão atualmente em vigor, até que o julgamento seja concluído”, finaliza Chanan.