A viagem do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para participar da COP27, no Egito, evidenciou sua relação próxima com um dos principais empresários da área da saúde do país, José Seripieri Junior. Foi num jatinho de “Junior”, como é conhecido, que o petista embarcou na manhã desta segunda-feira do aeroporto de Guarulhos.
O empresário tem sua trajetória ligada à Qualicorp, operadora de planos de saúde que fundou em 1997 e da qual saiu em 2019, iniciando uma nova empreitada com o lançamento da Qsaúde logo em seguida. Procurado, ele não retornou aos contatos da reportagem para falar sobre o empréstimo do avião. A assessoria de Lula também não comentou.
Na tarde desta segunda-feira, o vice-presidente eleito e coordenador da transição de governo, Geraldo Alckmin, afirmou que a viajem de Lula no avião do empresário não foi um empréstimo, mas uma ‘carona’.
— A informação que eu tenho é que o proprietário está indo junto. Não tem empréstimo — respondeu.
O vice ainda acrescentou que governadores e outros políticos também viajam no mesmo avião, que partiu de São Paulo na manhã desta segunda-feira.
Junior é amigo de Lula há pelo menos uma década. Após deixar a Presidência, em 2010, o petista costumava frequentar uma mansão de veraneio do empresário em Angra dos Reis, no litoral sul do Rio. O então ex-presidente chegou a passar um reveillon no local. Na mesma época, o empresário também costumava ceder um helicóptero e um jatinho para transporte do ex-presidente pelo país.
O ex-dono da Qualicorp foi um dos convidados do casamento de Lula com a socióloga Rosângela Silva, a Janja, em maio. O evento, em meio à campanha eleitoral, reuniu cerca de 200 pessoas em São Paulo.
Durante a campanha, o empresário declarou ter feito ao menos duas contribuições para ajudar a eleger o amigo. Na reta final do primeiro turno, foram R$ 660 mil doados ao PT, segundo prestação de contas enviadas ao Tribunal Superior Eleitoral. No segundo turno, depositou mais R$ 500 mil na conta do candidato – o segundo maior valor recebido pelo petista.
O empresário não é só bem relacionado com o presidente Lula, mas também com o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O helicóptero que caiu com o filho caçula do agora vice-presidente eleito, Thomaz, morto no acidente aéreo em 2015, pertencia à Seripatri Participações, integralmente controlada por Júnior.
O caso de maior polêmica envolvendo Seripieri foi sua prisão em uma Operação da PF em junho de 2020, que apurava supostos pagamentos ilícitos à campanha do senador José Serra. Ele foi solto quatro dias depois. Os investigadores apontaram indícios de que a Qualicorp tinha fraudado contratos para dissimular repasses à campanha, e o delegado responsável afirmou que o empresário montou uma ‘estrutura financeira e societária’ para ocultar a transferência do dinheiro da Justiça Eleitoral.
Na época, ele começou a colaborar com a Justiça e fechou uma delação premiada com o procurador-geral da República, Augusto Aras – uma das únicas da gestão do atual PGR. A delação do empresário foi homologada pelo ministro do STF Luis Roberto Barroso, em dezembro de 2020, e está em sigilo. Na ocasião, ele se comprometeu a pagar uma multa de R$ 200 milhões.
O jato de Junior decolou às 7h30 do aeroporto de Guarulhos com Lula a bordo. É uma aeronave com capacidade para transportar 19 passageiros e tem autonomia de voo para fazer sem escalas a rota São Paulo/Egito.
Logo no início da manhã, Lula foi às redes sociais justificar o motivo da viagem: “Bom dia. Hoje viajo ao Egito para participar da COP 27. O combate às mudanças climáticas deve ser um compromisso do Estado brasileiro. Trabalharemos pelo futuro do nosso país e do planeta, que é um só e de todos”, disse.
Como mostrou a coluna de Lauro Jardim, do GLOBO, a viagem no jatinho do empresário é motivo de preocupação de vários personagens importantes do entorno do presidente eleito.
“O Lula foi no mínimo ingênuo”, diz um assessor direto do petista à coluna. “Pode não ser ilegal, mas é óbvio que é uma carona que ele deveria evitar. Ele não liga para essas coisas, mas deveria”, afirmou, também à coluna, um ex-ministro do segundo governo Lula que também preferiu o anonimato.