Dez dias depois de perderem a filha Cecília, os pais ainda estão em estado de choque e tentando entender a situação. No último dia 19 de agosto, a bebê morreu dentro da barriga da mãe porque não havia médico anestesista para fazer o parto no Hospital Regional de São Francisco do Guaporé (RO), a 600 quilômetros de Porto Velho.
Segundo Elaine Oliveira, tia da bebê, os pais seguem sem acreditar na tragédia que atingiu a família.
“Meu irmão Elizeu de Oliveira [consultor de vendas] voltou a trabalhar nesta semana, só que de vez em quando ele vê no Facebook alguma postagem sobre a morte da bebê e isso abala o emocional dele”, contou Elaine.
Já a mãe da bebê, Keylyzangela Nillio, de 28 anos, segue em casa se recuperando da cesárea de emergência na qual foi submetida para retirar a filha, que acabou nascendo sem sinais vitais. Ainda não há previsão para a operadora de caixa retornar ao serviço.
“A Key está tentando seguir a vida. Pode ser que depois da recuperação desse pós-parto ela retorne ao trabalho. Durante a pandemia minha cunhada estava afastada da empresa por ser gestante, o que a incluía no grupo de risco”, conta Elaine.
Boletim de ocorrência contra o hospital
Na quarta-feira (26), a família procurou a delegacia de São Francisco para denunciar o hospital. A Polícia Civil registrou o caso como ‘morte a esclarecer’ e um delegado assumiu a investigação.
Consta em boletim policial que no, dia 18 de agosto, Keylyzangela se sentiu mal e precisou ir até o Hospital Regional de São Francisco. A médica obstetra de plantão percebeu que havia uma alteração no batimento cardíaco da bebê Cecília. Foi apontado a necessidade de ser feito um parto urgente, mas a unidade não tinha uma anestesista de plantão.
De acordo com denúncia da família, a gestante estava na 39ª semana de gestação e precisou esperar mais de 10 horas — até o plantão da única anestesista da cidade começar — para então ser feito a cesárea. Com não era possível o parto durante a noite, a médica teria aplicado medicamentos na gestante e manteve Keylyzangela internada.
A criança só foi retirada mais de 10 horas depois da internação da mãe, após a nova equipe médica assumir o plantão e constatar que não havia mais sinais vitais na bebê.
“Houve então uma grande tensão entre a equipe médica, que rapidamente deu início ao trabalho de parto, não sendo permitido a presença de nenhum membro da família durante o procedimento cirúrgico”, relata a tia Elaine Oliveira no boletim.
Depois da cesárea de emergência em Keylyzangela, a equipe médica informou aos familiares que Cecília tinha nascido sem vida devido à ingestão de líquido amniótico, parada cardíaca, e uma suposta má formação do bebê.
A família acusa a direção do hospital de São Francisco de não ter permitido que a gestante fosse levada para outro hospital da região que tivesse anestesista (durante a noite), para que assim Keylyzangela pudesse fazer o parto de emergência.
Desabafo da mãe e homenagem à filha
A mãe da bebê Cecília postou uma foto, depois de receber alta da unidade, onde mostra seu primeiro e último beijo na filha que nasceu morta.
Na postagem em seu Facebook, Keylyzangela Nillio prometeu amar a filha ‘para sempre’.
“Ahhh filha, minha filhinha, minha preciosa, minha princesa. Você mudou minha vida, meu mundo, fez o mundo girar ao seu redor, tudo era você e pra você. Como te amei, filha. Cada minutos que esteve dentro da mamãe, te amei, você sabia do orgulho que a mamãe sentia da barriga, sentia de você. Até planos pro seu primeiro aninho mamãe já tinha feito😭😭.
“Você deixou mamãe sair da maternidade com os braços vazios. Eu sabia que iria chorar quando a gente encontrasse o papai do lado de fora nos esperando, mamãe chorou porque papai estava nos esperando…e você deixou mamãe sair sozinha. E nossas fotos??? Mamãe queria reproduzir várias fotinhas com você”, escreveu a mãe de Cecília.
O que diz o hospital?
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, responsável pelo hospital de São Francisco, atualmente existe um contrato com empresa terceirizada para prestação de serviço de anestesia com um profissional contratado para cumprimento de 20 plantões diurnos de 12 horas cada plantão.
A saúde também alega existir um profissional médico que exercia a função na anestesia na cidade de São Francisco, mas atualmente o mesmo encontra-se em processo de aguardar aposentadoria em casa.
“Temos edital aberto para contratação de servidores para serviço de obstetrícia e anestesista, porém, deserto”, afirma a Sesau.
“A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) vem a púbico esclarecer os seguintes fatos com relação à morte de um recém-nascido ocorrido na última quarta-feira (19), no Hospital Regional de São Francisco do Guaporé (HRSFG).
De acordo com o boletim médico, a paciente K.F.N, de 28 anos, grávida de 39 semanas, chegou no hospital no dia 18/08 às 20:46h, encaminhada por uma Unidade de Pronto Atendimento por apresentar alteração no batimento cardíaco fetal (BCF), que era de 165 batimento por minuto, sem apresentar qualquer outro sintoma: a paciente não sentia dor, não estava com perda de liquido, sem sangramento, e não estava em trabalho de parto.
A mesma foi atendida por um obstetra plantonista, que realizou todo procedimento clínico, e foi realizado monitoramento do BCF de 30 em 30 minutos durante todo plantão noturno.
Na manhã seguinte às 06:30h, o bebê apresentava BCF de 160 bpm. Às 07:30 foi indicado parto cesárea, já iniciando a preparação da paciente. Às 07:35h teve início o procedimento com EQUIPE COMPLETA (OBSTETRA, MÉDICO AUXILIAR, ANESTESISTA, PEDIATRA, ENFERMEIRO, TÉCNICO DE ENFERMAGEM), com retirada do feto em parada cardiorrespiratória (PCR), iniciando imediatamente o protocolo de massagem e passado ao pediatra presente na sala cirúrgica.
O recém-nascido apresentava liquido amniótico espesso e presença de mecônio.
Foi realizado todo protocolo para a PCR e síndrome de aspiração de mecônio, com desfecho desfavorável infelizmente.
Foi notado pela equipe alterações congênitas no bebê, o que foi informado aos familiares, sendo oferecido todo suporte possível naquele momento difícil e orientado sobre o Serviço de Verificação de Óbito, porém os familiares se mostraram contrários.
Quanto ao serviço de anestesiologia, o HRSFG possui contrato com empresa terceirizada para prestação do referido serviço com 01 (um) profissional contratado para cumprimento de 20 plantões diurnos mensais sendo 12 horas cada plantão.
Foi aberto Processo Seletivo para Contratação de Médico Anestesiologista em Março/2020 para ampliar o quadro de anestesistas do HRSFG mas infelizmente não tivemos nenhum inscrito.
Salientamos que quando a equipe médica de plantão do HRSFG vê a necessidade de realização de procedimento que demanda a presença de anestesista em turno de trabalho no qual não temos esse profissional disponível, o paciente é encaminhado para unidade de referência.
Toda equipe do HRSFG lamenta muito essa perda e se solidariza com os familiares nesse momento de dor.”
Via G1