O governo federal divulgou nesta sexta-feira, 25, os detalhes do novo acordo para a reparação de danos causados pela tragédia de Mariana, em Minas Gerais, em novembro de 2015. O valor global chega a R$ 170 bilhões, sendo R$ 132 bilhões em novos recursos que serão destinados para diferentes fins e outros R$ 38 bilhões já desembolsados via Fundação Renova, criada após o desastre para as reparações.
O rompimento da barragem da Samarco deixou 19 mortos e lançou 13 mil piscinas olímpicas de lama tóxica na Bacia do Rio Doce, com impactos em Minas Gerais e no Espírito Santo. Foi apontado à época como o maior desastre ambiental do País. A barragem do Fundão estava sob a responsabilidade da Samarco – controlada pelas mineradoras Vale (brasileira) e BHP Billiton (anglo-australiana).
O governo vai formalizar o compromisso de pagamento de R$ 100 bilhões em recursos novos destinados à políticas de reparação socioambientais, como o Estadão antecipou. As empresas envolvidas vão desembolsar esse valor para o Poder Público, no prazo de 20 anos.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, esses recursos não estarão sujeitos às travas fiscais do novo arcabouço. Na avaliação do ministro, inserir essas cifras no Orçamento da União e sob as regras de limitação de gastos “seria um complicador”.
De acordo com a Advocacia-Geral da União (AGU), dos R$ 100 bilhões que entrarão nos cofres da União ao longo de 20 anos, R$ 18 bilhões serão depositados até 2026. Sendo R$ 5 bilhões em 2024, R$ 6 bilhões em 2025 e R$ 7 bilhões em 2026.
“Estamos entregando o acordo possível. Com a assinatura da repactuação, estamos encerrando um ciclo”, disse o advogado-geral da União (AGU), Jorge Messias, nesta sexta. O governador de Minas, Romeu Zema (Novo), disse que fica um “legado gigante” para as próximas gestões.
Para o chefe da AGU, um acordo “insuficiente” era negociado em 2022. “No acordo vigente, nos foi apresentada proposta que previa a extinção da maioria das obrigações, não previa retirada de rejeitos, o valor insuficiente de R$ 65 bilhões. E parcela significativa dos recursos era destinado para infraestrutura, com destinação livre pelos Estados. Não apresentava solução para a saúde coletiva”, acrescentou Messias.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, cobrou publicamente de seus ministros que estejam prontos para apresentarem projetos de uso da verba. “Se não dermos conta do recado, daqui a 20 meses, aquilo que hoje é festejado como o maior acordo já feito, vai ser cobrado do governo como a pior coisa que já aconteceu.”
O que será pago agora?
- R$ 32 bilhões em indenizações e obrigações a fazer, como remoção de rejeitos do reservatório Risoleta Neves, recuperação de nascentes reassentamento das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo;
- As indenizações incluem R$ 35 mil aos atingidos em geral e R$ 95 mil aos pescadores e agricultores; a estimativa é de que 300 mil pessoas que terão direito a receber esses valores;
- R$ 39,83 bilhões diretamente aos atingidos (sem contar as indenizações), como R$ 6,5 bilhões em programas de retomada econômica, R$ 3,75 bilhões em programas de transferência de renda, R$ 8 bilhões para indígenas, entre outros;
- R$ 16,13 bilhões para recuperação ambiental, o que inclui R$ 8,13 bilhões para a União e R$ 6 bilhões para os Estados;
- R$ 17,66 bilhões indiretamente aos atingidos e ao meio ambiente;
- R$ 15,29 bilhões para saneamento e rodovias, sendo R$ 11 bilhões para obras de esgoto e R$ 2 bilhões para obras contra enchentes. As obras viárias incluem a duplicação das rodovias BR-262 e BR- 356;
- R$ 1,66 bilhões para o município de Mariana, no âmbito da ação civil pública;
- R$ 6,1 bilhões aos 49 municípios afetados na calha do Rio Doce;
- R$ 1,86 bilhão para ações institucionais, de transparência, etc.
As empresas ficam obrigadas a implementar em até 150 dias após a homologação do acordo o sistema indenizatório. A Fundação Renova, que foi alvo de críticas ao longo da apresentação do novo acordo, será extinta quando o documento de reparação for homologado.
No discurso, Lula ainda afirmou que é preciso mudar a cultura de gestão de grandes companhias. Segundo ele, “muitas vezes o dinheiro que poderia ter evitado a tragédia que aconteceu é usado para pagar dividendos”.
Em nota, o CEO da BHP, Mike Henry, afirmou que o rompimento da barragem foi uma “tragédia terrível” que nunca deveria ter acontecido e “nunca deve ser esquecida”. Disse ainda que a BHP Brasil e a Vale sempre estiveram comprometidas em apoiar a Samarco a “a fazer o que é certo para as pessoas, as comunidades, as organizações e o meio ambiente brasileiro atingido pelo rompimento da barragem”.
A empresa disse ainda que o acordo é um reflexo de seu compromisso e oferece iniciativas que vão do meio ambiente até recuperação econômica, apoio à renda e financiamento do sistema de saúde.
O acordo é divulgado poucos dias após a Justiça britânica ter iniciado a análise de ação que cobra reparações financeiras pela tragédia. A Corte estrangeira decidirá, em um julgamento previsto para durar três meses, sobre possível indenização aos atingidos. O caso é considerado maiores processos ambientais coletivos do mundo.
A BHP diz fazer esforços para concluir o processo de reparação e compensação. Afirma ainda que ser obrigada a apresentar defesa de ação judicial no Reino Unido prejudica o trabalho em curso no Brasil.
A Vale evitou comentar as críticas de Lula e celebrou o acordo. De acordo com o presidente da empresa, Gustavo Pimenta, o engajamento das autoridades no processo deu legitimidade ao que foi firmado.
“O Acordo Definitivo permitiu uma resolução mutuamente benéfica para todas as Partes em termos justos e eficazes, ao mesmo tempo que criou certeza e segurança jurídica”, disse Pimenta em nota.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) reconheceu avanços, mas classificou o acordo como insuficiente. Segundo o movimento, o valor global do acordo é aquém do necessário e o prazo para que seja cumprido é muito longo.
“Estamos aqui para vigiar, fiscalizar cada linha desse acordo para que o dinheiro chegue no atingido, na reparação integral, e não para outros objetivos”, afirmou Thiago Alves, integrante da coordenação do MAB.
Entre os pontos de avanço, o programa de saúde coletiva e fundos específicos para a população quilombola, indígena, mulheres, agricultores e pescadores.
Ações por área
Meio Ambiente
Na área ambiental, o Fundo Ambiental da União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo receberão um total de R$ 14,3 bilhões para projetos de recuperação e compensação ambiental na Bacia do Rio Doce. Outros R$ 17,5 bilhões serão destinados aos mesmos Estados para projetos de natureza mista (social, ambiental e de retomada econômica da Bacia), sendo que até 20% do valor poderá ser aplicado fora da Bacia. Ainda entre as medidas ambientais, R$ 2 bilhões serão destinados à constituição de um fundo perpétuo, com rendimentos aplicados no enfrentamento às consequências das enchentes: retirada de lama, recuperação de solos, infraestrutura entre outros.
Saúde
Na área da saúde, foram alocadas medidas para a saúde coletiva na Bacia do Rio Doce. O investimento totaliza R$ 12 bilhões, sendo R$ 3,6 bilhões destinados à infraestrutura e equipamentos, e R$ 8,4 bilhões para constituir um Fundo Perpétuo. O fundo visa a utilizar os rendimentos para custeio adicional ao Sistema Único de Saúde (SUS) na região. A gestão dos recursos será compartilhada entre a União (Ministério da Saúde) e os Estados do Espírito Santo e Minas Gerais, com repasse aos municípios
Previdência Social
A União também se compromete a ressarcir gastos extraordinários com a Previdência Social, que incluem ações acidentais e a manutenção da condição de segurança especial para os pescadores afetados. Este programa beneficiará cerca de 20 mil pescadores que não puderam exercer suas atividades desde o rompimento até dois anos após a homologação do acordo. O custo previsto é de R$ 495 milhões.
Retomada Econômica
Para a retomada econômica da região, foi criado um Fundo Popular da Bacia do Rio Doce, com investimento de R$ 5 bilhões. Este fundo será usado em projetos e programas de fomento produtivo, rural, e em educação, ciência, tecnologia e inovação, com deliberação direta das comunidades afetadas.
Pesca e Aquicultura
Um investimento de R$ 2,44 bilhões será destinado à liberação gradual da pesca, atualmente suspensa, conforme os planos de ordenamento foram elaborados. A gestão será compartilhada entre União Estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Infraestrutura
um total de R$ 4,3 bilhões serÁ investidos na duplicação e melhorias das rodovias federais que atravessam a Bacia do Rio Doce, especificamente nas BR-262 e BR-356. A responsabilidade pelas ações na BR-262 ficará com o governo federal. Já a BR-356 com o governo de Minas Gerais.
Políticas públicas
Um repasse de R$ 6,1 bilhões será feito aos 49 municípios da calha do Rio Doce, distribuído conforme um índice definido pelo Consórcio dos Municípios (Coridoce). A adesão será voluntária e individual de cada município. Para indígenas, povos e comunidades tradicionais serão destinados R$ 8 bilhões, que serão geridos por esses grupos.
História de Luiz Araújo , Renan Monteiro, Caio Spechoto, Victor Ohana, Lavínia Kaucz e Paula Ferreira*