Felipe Magno Silva Fonseca, promotor público na comarca de São Miguel do Guaporé, resolveu instaurar procedimento administrativo de acompanhamento à pandemia do covid no município. Trata-se da portaria de número, do qual o representante da justiça pública ressalta o que segue: “O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA, por meio da Titularidade Única da Promotoria de Justiça da Comarca de São Miguel do Guaporé/RO, por seu Promotor de Justiça que esta subscreve, com fundamento no art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal, art. 26, inciso I, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), art. 43, inciso I e V, da Lei Complementar Estadual n° 93/93 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público), bem como do art. 8º, incisos II e III da Resolução n. 003/2019, do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado de Rondônia; CONSIDERANDO que a Constituição da República de 1988, ao definir o Ministério Público, em seu art. 127, como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, atribui a ele a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;
CONSIDERANDO que, acerca da legitimidade atribuída ao Ministério Público pela Constituição da República, o art. 129, inciso II, dispõe que uma de suas funções institucionais é “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”; CONSIDERANDO que, nos termos do art. 8º, incisos II e III, da Resolução CNMP nº 174/2017 e da Resolução 3/2019-CPJ, o Procedimento Administrativo é o instrumento próprio da atividade-fim destinado a acompanhar e fiscalizar, de forma continuada, as medidas adotadas por órgãos públicos ou instituições, bem como a apurar fato que enseje a tutela de interesses individuais indisponíveis; CONSIDERANDO que ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais individuais indisponíveis, e que o Ministério Público tem como funções institucionais a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, da saúde, da educação, e de outros interesses difusos e coletivos, de conformidade com a Constituição Federal, artigos 127, caput, e 129, incisos II e VI, e Lei Complementar 75/93, artigo 5°;
CONSIDERANDO que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto do novo Coronavírus (COVID-19) constitui Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, bem como, em 11 de março de 2020, classificou a situação mundial como pandemia, prevendo as seguintes medidas de saúde pública para a diminuição de doenças infecciosas sem vacina ou tratamento farmacológico específico e enfatizando a sua adoção em relação ao COVID-19: 1: proibição de grandes aglomerações; fechamento de escolas e outras medidas; restrições de transporte público e/ou de locais de trabalho e outras medidas; quarentena e/ou isolamento – as quais pressupõem a realização de despesas de vária monta e diversas naturezas, tanto para sua implementação e fiscalização, como para a tomada de outras medidas destinadas a fornecer insumos vitais à população em isolamento; CONSIDERANDO que a Lei nº 8.080/1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências;
CONSIDERANDO que o Decreto Federal nº 7.257/2010, ao dispor sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC), assim conceituou: “II – desastre: resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem sobre um ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais; III – situação de emergência: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido; IV – estado de calamidade pública: situação anormal, provocada por desastres, causando danos e prejuízos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido; (…) VI – ações de assistência às vítimas: ações imediatas destinadas a garantir condições de incolumidade e cidadania aos atingidos, incluindo o fornecimento de água potável, a provisão e meios de preparação de alimentos, o suprimento de material de abrigamento, de vestuário, de limpeza e de higiene pessoal, a instalação de lavanderias, banheiros, o apoio logístico às equipes empenhadas no desenvolvimento dessas ações, a atenção integral à saúde, ao manejo de mortos, entre outras estabelecidas pelo Ministério da Integração Nacional; (…) IX – ações de prevenção: ações destinadas a reduzir a ocorrência e a intensidade de desastres, por meio da identificação, mapeamento e monitoramento de riscos, ameaças e vulnerabilidades locais, incluindo a capacitação da sociedade em atividades de defesa civil, entre outras estabelecidas pelo Ministério da Integração Nacional”;
CONSIDERANDO a promulgação da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do referido vírus e que a doutrina considera que as epidemias são espécies do gênero desastres; CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (artigo 129 da CF), bem como o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública quanto aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência – tendo a publicidade a característica de sobreprincípio ou princípio garantidor de todos os demais (artigo 37 da CF);CONSIDERANDO a atribuição extrajudicial da 1ª º Promotoria de Justiça de São Miguel do Guaporé/RO na tutela coletiva do patrimônio público e da moralidade administrativa e também da saúde pública; CONSIDERANDO que, para a contratação de bens, obras ou serviços pela Administração Pública, vige o princípio da obrigatoriedade do procedimento licitatório, conforme exigência da Constituição Federal (art. 37, XI) e Lei 8.666/93, como medida de se assegurar a legalidade, impessoalidade, isonomia, eficiência e moralidade;
CONSIDERANDO que a contratação sem realização de licitação somente é admitida nas estritas hipóteses previstas em lei, de modo que os casos de dispensa licitatória do art. 24, da Lei 8.666/1993, são, por sua natureza, excepcionais e constam de rol taxativo – devendo haver interpretação sistêmica com as disposições temporárias e excepcionalíssimas da novel Lei 13.979/2020;CONSIDERANDO que, visando tão somente atender ao interesse público ameaçado ou violado por situação excepcional, o art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/93 permite que a licitação se torne dispensável nos casos de emergência ou de calamidade pública, que se restringem tão somente à situação de urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a saúde e a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; CONSIDERANDO que a verificação do que seja emergência ou calamidade não é de livre e arbitrária interpretação do gestor, mas, sim, deve se situar estritamente no mesmo campo semântico trazido pelo supracitado art. 24, IV, da Lei nº 8.666/93 (“situação de urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares”) – sendo dever do gestor fundamentar a adoção de tais decretos em fatos comprovados, não estando autorizado a implementar medidas emergenciais pela simples entrada em vigência da legislação federal especial, inclusive a Lei nº 13.979/2020 e a Medida Provisória nº 929/2020;
CONSIDERANDO que, em se tratando de desastres, a situação de emergência e calamidade pública deve ser declarada mediante decreto do chefe do Executivo, não apenas arrimado na Lei nº 13.979/2020 (Lei de enfrentamento ao coronavírus), mas também com a obediência aos critérios e parâmetros da Lei 12.608/2012 (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), regulamentada pela Instrução Normativa nº 02/2016, do Ministério da Integração Nacional, dispondo esta: “Art. 2º. Quanto à intensidade os desastres são classificados em três níveis: a) nível I: desastres de pequena intensidade) nível II: desastres de média intensidade) nível III: desastres de grande intensidade§1º. São desastres de nível I aqueles em que há somente danos humanos consideráveis e que a situação de normalidade pode ser restabelecida com os recursos mobilizados em nível local ou complementado os com o aporte de recursos estaduais e federais.§2º. São desastres de nível II aqueles em que os danos e prejuízos são suportáveis e superáveis pelos governos locais e a situação de normalidade pode ser restabelecida com os recursos mobilizados em nível local ou complementados os com o aporte de recursos estaduais e federais§3º. São desastres de nível III aqueles em que os danos e prejuízos não são superáveis e suportáveis pelos governos locais e o restabelecimento da situação de normalidade depende da mobilização e da ação coordenada das três esferas de atuação do sistema Nacional de proteção e defesa civil (SINPDEC) e, em alguns casos, de ajuda internacional.§4º. Os desastres de I e II ensejam a decretação de situação de emergência, enquanto os desastres de nível III a de estado de calamidade pública. Art. 3º. Os desastres de nível III são caracterizados pela ocorrência de ao menos 2 danos, sendo um deles obrigatoriamente danos humanos que importem no prejuízo econômico público ou no prejuízo econômico privado que afetem a capacidade do poder público local em responder e gerenciar a crise instalada; Art. 4º. Os desastres de nível III são caracterizados pela concomitância na existência de óbitos, isolamento da população, interrupção de serviços essenciais, interdição ou destruição de unidades habitacionais, danificação ou destruição de instalações públicas prestadoras de serviços essenciais e obras de infraestrutura pública.”
CONSIDERANDO que, conforme as mencionadas normas, a diferença entre as situações de emergência e a de calamidade pública é relativa ao grau de intensidade do desastre e do comprometimento da capacidade de resposta; CONSIDERANDO que a falta de enquadramento de uma situação fática nos conceitos de emergência ou calamidade pública trazidos pela Lei nº 8.666/93 (artigo 24, IV) ou na Instrução Normativa e Decreto supra, torna absolutamente nulos o Decreto Executivo, o Processo de Dispensa Licitatória e o Contrato Administrativo que em tal situação tenham se fundado, por manifesta falsidade do motivo, desvio da finalidade, ilegalidade do objeto e violação dos princípios da legalidade, impessoalidade, isonomia e eficiência que permeiam o princípio da obrigatoriedade das licitações; CONSIDERANDO que a Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, estabelece, no art. 4º, que é dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei; CONSIDERANDO que referida lei estabelece, no § 1º do art. 4º, que a dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus;
CONSIDERANDO que excepcionalmente, será possível a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido, conforme § 3º do art. 4º da referida Lei, disposição normativa incluída pela Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020; CONSIDERANDO que a Medida Provisória nº 926, de 20 de março de 2020, incluiu na Lei Federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o art. 4º-B que estabelece que nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se atendidas as condições de: ocorrência de situação de emergência; da necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência; CONSIDERANDO que aludida Medida Provisória incluiu o art. 4º-E, na Lei Federal nº 13.979/2020, o qual admitiu a adoção de termo de referência simplificado ou de projeto simplificado, tendo, dentre outros, o seguinte requisito, estimativas dos preços obtidos por meio de, no mínimo, um dos seguintes parâmetros: a) Portal de Compras do Governo Federal; b) pesquisa publicada em mídia especializada e; c) sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo; d) contratações similares de outros entes públicos; ou e) pesquisa realizada com os potenciais fornecedores; podendo excepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, ser dispensada a estimativa de preços acima;
CONSIDERANDO que a atuação do Ministério Público na fiscalização contemporânea de políticas públicas objetiva evitar a dilapidação do patrimônio público em momento tão grave vivenciado pela sociedade brasileira e pelo mundo, devendo o órgão do Ministério Público atuar de forma ponderada, contemporânea e preventiva, buscando garantir a transparência e o acesso à informação em relação às políticas adotadas para combate ao novo Coronavírus (COVID-19) em cada município; CONSIDERANDO que a situação de emergência pública não poderá ser utilizada como pretexto para facilitar a malversação dos recursos públicos – sendo mister fomentar a cidadania e o controle popular pela adequada informação, agindo o Poder Público com o máximo de transparência; CONSIDERANDO que o § 2º do art. 4º da Lei Federal nº 13.979/2020 dispõe que todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nessa Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição; RESOLVE INSTAURAR, com fulcro nos arts. 8º e 9º, da Resolução nº 003/2019, do CPJ, e da Resolução nº 174/2017, do CNMP, o presente PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO com o objetivo de acompanhar os fatos e atos administrativos delineados acima e as suas repercussões jurídicas, em caráter preventivo e sem indicativo de irregularidade ou ilicitude atuais, bem como sem representar ingerência nas atribuições dos Poderes Públicos Municipais da Comarca de São Miguel do Guaporé/RO”, finalizou o promotor público.
Da redação – Planeta Folha