Pela terceira vez em duas décadas, o mundo testemunha, temeroso, um coronavírus ser transmitido para seres humanos, dando origem a uma série de epidemias. Antes de o Covid-19 emergir, os micro-organismos por trás da Sars (síndrome respiratória aguda grave) e da Mers (síndrome respiratória no Oriente Médio) já haviam ultrapassado fronteiras em 2003 e 2012, respectivamente, fazendo centenas de vítimas, cada um. A experiência com as duas pandemias mostrou-se vantajosa na busca de vacinas e tratamentos para uma doença que, a cada dia, avança mais pelo globo. Como pesquisadores já vinham estudando formas de combater esses patógenos, muitas substâncias que estão sendo desenvolvidas em laboratórios começam a ser testadas também para o Covid-19, o novo coronavírus.
Foi graças aos muitos anos de estudo dos vírus Sars-CoV e Mers-Cov que pesquisadores da Universidade do Texas em Austin (UTA) deram um passo importante na busca por uma vacina contra o Covid-19. Há 10 dias, eles anunciaram o mapeamento tridimensional em escala atômica de uma parte crítica do micro-organismo: a que se liga às células humanas, as infectando e se reproduzindo. “Assim que soubemos que era um coronavírus, sentimos que tínhamos que nos voltar o mais rápido possível para ele, porque poderíamos ser um dos primeiros a obter essa estrutura. Sabíamos exatamente quais mutações usar”, conta Jaseon McLellan, o responsável pelo estudo.
A equipe correu contra o tempo. Duas semanas depois de cientistas chineses revelarem a sequência genética do Covid-19, um vírus de RNA, os pesquisadores da UTA começaram o mapa 3D, que foi concluído em 12 dias. De acordo com McLellan, entender como o micro-organismo se fixa nas células humanas é fundamental não só para uma vacina, mas para o desenvolvimento de medicamentos que tratem os sintomas da pneumonia causada pelo Covid-19.
Também graças à semelhança do novo coronavírus com o Sars-CoV, causador da Sars, uma equipe de cientistas da Universidade de Ciência e Tecnologia de Hong Kong anunciou, há quatro dias, a identificação de um conjunto de possíveis alvos de vacina para o Covid-19.
Assim como o vírus de 2003, o atual pertence ao gênero betacoronavírus, o que os aproxima geneticamente. Considerando essa similaridade, os pesquisadores tentaram identificar biomarcadores que as células B e T do sistema imunológico reconhecem para desencadear a resposta contra o vírus. São os chamados epítopos.
Matthew McKay, que liderou a pesquisa, ressalta que, embora semelhantes, os coronavírus não são idênticos. “Há variação genética entre os dois, e não é óbvio se epítopos que provocam uma resposta imune contra o Sars-CoV serão eficazes contra o Covid-19.
“Descobrimos que apenas cerca de 20% dos epítopos do primeiro são mapeados de maneira idêntica ao segundo. Mas acreditamos que esses são candidatos promissores para uma vacina”, diz. Os dados foram abertos à comunidade científica internacional. “Nosso trabalho é parte de um esforço global que busca capitalizar os dados do Covid-19, disponibilizados e rapidamente compartilhados, para entender esse novo vírus e propor intervenções eficazes.”
Imunização
Na corrida por uma vacina — que ainda não existe para Sars nem Mers —, a empresa de biotecnologia Moderna, em Massachusetts, saiu à frente e anunciou que deve começar em abril o primeiro teste de uma imunização em humanos. De acordo com a companhia, que viu as ações crescerem 20% no mercado depois da revelação, os estudos iniciais, com animais, demonstraram que é seguro passar à fase 1 da pesquisa clínica, quando não se investiga a eficácia, mas a toxicidade da substância. Entre 20 e 25 pessoas participarão dos testes, e espera-se que o resultado saia entre julho e agosto.
Porém, diante do alvoroço causado pelo anúncio, o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA (Niaid), que participou da criação da vacina, esclareceu que não se deve esperar uma imunização imediata. “Vamos fazer o teste de fase 1 em cerca de um mês e meio a dois meses. Mas isso não significa que você tenha uma vacina. Para obter uma vacina que seja viável para as pessoas usarem, será pelo menos de um ano a um ano e meio, na melhor das hipóteses”, disse o diretor do Niaid, Anthony Fauci, à CNN.
Já a companhia de biotecnologia israelense Migal afirmou, na quinta-feira, que está “a semanas” de começar a produção de uma vacina. A intenção é adaptar uma pesquisa de quatro anos financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia de Israel, que culminou em uma imunização eficaz, de acordo com os cientistas, contra o coronavírus da bronquite infecciosa. A doença, contudo, só afeta galinhas. Em um comunicado, a Migal afirmou que ensaios pré-clínicos (com animais) comprovaram a eficácia da vacina em aves. “A Migal agora fez os ajustes genéticos necessários para adaptar a vacina à cepa humana do coronavírus, e está trabalhando para obter as aprovações de segurança que possibilitarão testes in vivo, permitindo o início da produção de uma vacina para combater o coronavírus”, afirmou a companhia.
Segundo o comunicado, pesquisas demonstraram que o coronavírus das aves tem alta similaridade genética com o Sars-CoV, além de utilizar o mesmo mecanismo de infecção, “fato que aumenta a probabilidade de se conseguir uma vacina humana eficaz em um período muito curto”. O CEO do Instituto de Pesquisa Migal afirmou que o objetivo é produzir a substância em até 10 semanas e obter a permissão para testá-la em humanos daqui a três meses.
Palavra de especialista
Ameaça à saúde pública
“O novo coronavírus é uma séria ameaça à saúde pública. O fato de ter causado doenças graves e disseminação de pessoa é preocupante. Novos surtos de qualquer micróbio devem sempre ser um problema de saúde pública. O risco desses surtos depende das características do vírus, incluindo se e como ele se espalha entre as pessoas, a gravidade da doença resultante e as medidas médicas ou outras disponíveis para controlar o impacto do vírus — por exemplo, medicamentos para vacinas ou tratamentos. Mas, com os dados atuais disponíveis e minha experiência profissional, não acredito que esse novo vírus seja mais contagioso que o vírus influenza. Neste momento, ambos parecem ter taxas de transmissão semelhantes e taxas de fatalidade de casos — atualmente mantendo-se em cerca de 2%.”
Rodney E. Rhode, especialista em microbiologia da Universidade Estadual do Texas e consultor do governo e de universidades norte-americanas sobre doenças infecciosas.
Via Correio Braziliense – por Paloma Oliveto