Idoso morre após ser submetido a uma cirurgia de úlcera e no atestado de óbito aparece, entre as causas da morte, a covid-19. Por este motivo, a família não pode velar o corpo de José Cândido Filho, de 65 anos, que saiu direito do hospital, em caixão lacrado, para o cemitério.
Nora de José, Miriam Mitatiana Olegário Pereira afirma que chegou a implorar para realizar um velório, mesmo com o caixão fechado, por meia hora, mas foi impedida. Ela destaca que queria comprar um caixão com a parte de vidro, para que a esposa de José e os seis filhos pudessem fazer uma despedida. Para ela, a situação reflete “muita falta de amor ao próximo e também de compreensão”.
Miriam, que acompanhou os últimos dias de José, afirma que ele não tinha nem mesmo sintomas de covid e ninguém da família teve. A única coisa era falta de arma, o que ela acredita que é pelo histórico de fumante. Ele morava em um sítio, próximo a Cáceres (225 km a oeste de Cuiabá), com a esposa e um dos filhos.
Na terça-feira da semana passada (18), ele veio para Cuiabá para fazer uma consulta, pois estava sentido falta de ar. O idoso foi levado a um hospital particular, onde foi feito o primeiro teste de covid, que deu negativo. Ele também fez uma tomografia e os médicos destacaram que podia ser uma crise de asma, bronquite ou até mesmo pneumonia. Mas ele foi para casa e passou a ser acompanhado pela nora e pela mãe da nora, que é enfermeira.
Miriam relata que ficaram acompanhando a temperatura e a saturação (oxigênio no sangue), sendo que até sexta-feira tudo estava bem. Mas na sexta a saturação caiu muito e decidiram levá-lo para a Unidade de Pronto Atendimento do Pascoal Ramos. Na UPA foi feito o segundo teste para covid, que também deu negativo. José não chegou a ir nem mesmo para a área de isolamento de pacientes com covid.
“Uma médica até brigou porque queriam isolar ele com outros pacientes. Mas na hora que trocou o plantão, a médica da sala vermelha me chamou e disse que havia sintomas da covid porque havia um pouco tosse e falta de ar”, relata Miriam.
A médica afirmou para a família que ia pedir a transferência de José para o Hospital Metropolitano em Várzea Grande devido ao risco de uma parada cardiorrespiratória.
A família concordou com a transferência, que ocorreu na noite de sexta-feira (21). Chegando à unidade de saúde, ele foi internado em uma enfermaria. No dia seguinte, sábado (22), por volta das 10h a família foi avisada que José havia sido transferido para um leito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A justificativa foi que na UTI havia mais recursos e enfermeiros o tempo todo podendo atendê-lo em caso de urgência.
Apesar do susto que levaram, Miriam afirma que voltaram para casa um pouco mais aliviados, por saberem que o idoso estava em um local seguro.
Antes, falaram com uma psicóloga que garantiu que durante à tarde tentaria fazer uma chamada de vídeo para a família poder falar com José. Por volta das 14h, a família recebeu a ligação, mas era apenas chamada de voz. Miriam afirma que achou a voz do sogro estranha. Filhos e esposa ouviram ele falar. A psicóloga sugeriu que a família fizesse um vídeo e mandasse para ele assistir, o que foi feito. Ela respondeu que ele estava consciente, que havia reconhecido todos e explicado para ela sobre cada um e ficou muito feliz.
No domingo, por volta das 8h, a médica informou que ele estava bem. Miriam relata que a mãe dela recebeu os boletins médicos, que realmente apontavam para um quadro bom.
Duas horas depois a família recebeu uma ligação pedindo para que fossem até o hospital. O medo era receber a notícia de que ele havia falecido. Mas os médicos informaram que tiveram que realizar uma cirurgia às pressas, mas ele estava bem.
De acordo com as informações repassadas à família, os médicos perceberam que a barriga de José estava muito inchada e ao realizarem os exames detectaram uma úlcera estourada. José foi levado para o centro cirúrgico e a família só soube após o fim do procedimento.
Às 8h desta segunda-feira, a família recebeu nova ligação, sendo informada que devido à cirurgia, com o pulmão e coração fracos, José não resistiu e faleceu por volta das 0h15.
Um terceiro exame feito no Metropolitano também apontou que ele não havia sido infectado pela covid, mas mesmo assim a doença foi colocada no atestado de óbito. “Sei que nada vai trazer meu sogro de solta e não vamos mexer com isso. Mas há tantos casos acontecendo, que queríamos fazer um alerta. Nem todo mundo que morre, morre por causa da covid”.
Miriam diz que ficaram muitos pontos de interrogações.
Via Repórter MT – por ANDRÉIA FONTES