Um estudo realizado em seis estados da Amazônia brasileira, identificou que a região possui mais de mil peixes de pelo menos 80 espécies diferentes contaminados por mercúrio. O Amazonas está na quarta posição do ranking com 22,5% dos peixes contaminados acima do limite recomendado. Logo atrás dos estados Roraima, com 40%, Acre com 35,9% e Rondônia com 26,1%.
O levantamento, que foi divulgado em nota técnica na manhã desta terça-feira (30), foi realizado pelos pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), Greenpeace Brasil, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil.
A pesquisa buscou avaliar o risco à saúde humana em função do consumo de peixes contaminados – e, para isso, visitou mercados e feiras em 17 cidades amazônicas onde foram compradas as amostras utilizadas nesta pesquisa.
“Este é o primeiro estudo que avalia os principais centros urbanos amazônicos espalhados em seis estados. Ele reforça um alerta para um assunto já conhecido, mas não resolvido, que é o risco à segurança alimentar na região amazônica gerado pelo uso de mercúrio na atividade garimpeira. É preocupante que a principal fonte de proteína do território, se ingerida sem controle, provoque danos à saúde por estar contaminada”, ressalta Decio Yokota, coordenador do Programa de Gestão da Informação do Iepé.
Paulo Basta, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, também alertou sobre os problemas de saúde que o consumo de peixes contaminados por mercúrio podem causar na população.
“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem. De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição. É urgente a criação de políticas públicas para atender as pessoas já afetadas pela contaminação por mercúrio e medidas preventivas, de controle de uso”, destacou Paulo.
Metodologia
O levantamento foi realizado de março/2021 a setembro/2022 nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. No Amazonas, as amostras foram coletadas em seis municípios, incluindo a capital: Manaus, Humaitá, Maraã, Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira e Tefé.
Os demais municípios da região amazônica foram: Altamira (PA), Belém (PA), Boa Vista (RR), Itaituba (PA), Macapá (AP), Oiapoque (AP), Oriximiná (PA), Porto Velho (RO), Rio Branco (AC), Santarém (PA) e São Félix do Xingu (PA).
Foram avaliados 1.010 exemplares de peixes, de 80 espécies distintas, comprados em mercados, feiras e diretamente de pescadores, simulando o dia a dia dos consumidores locais.
Feiras
Os peixes foram adquiridos em mercados públicos, feiras-livres ou com pescadores nos pontos de desembarque pesqueiro, no período de março de 2021 a setembro de 2022. Em Manaus, as amostras foram coletadas de peixes comprados na Feira da Manaus Moderna, no Centro Histórico da capital.
“Sempre que possível foram amostradas ao menos três diferentes espécies em cada guilda trófica (carnívoro, onívoro, detritívoro e herbívoro) e no mínimo três indivíduos de cada espécie, com diferentes tamanhos”, diz a nota técnica.
O estudo
A detecção dos níveis de Hg foi realizada por espectrometria de absorção atômica nos laboratórios do CETEM – Centro de Tecnologia Mineral (RJ) e do IEC – Instituto Evandro Chagas (PA).
O estudo de avaliação do risco à saúde atribuído ao consumo de pescado contaminado foi calculado segundo parâmetros da US.EPA – Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Para isso, foram considerados quatro estratos populacionais: mulheres em idade fértil (10 a 49 anos); homens adultos (18 anos ou mais); crianças de 5 a 12 anos; e crianças de 2 a 4 anos.
A estimativa de consumo de pescado por pessoa baseou-se no relatório sobre o consumo de pescado na região Amazônica do Brasil, com média per capita de 100 gramas de pescado por dia em ambientes urbanos. Foram avaliados ainda, o cálculo da razão de risco (RR), que indica o potencial de danos à saúde provocado pelo consumo do pescado contaminado e a avaliação de risco à saúde.
Garimpo
A principal recomendação que os pesquisadores fazem é ter maior controle do território amazônico e erradicar os garimpos ilegais e outras fontes emissoras de mercúrio para o ambiente.
De acordo com o especialista em conservação do WWF Brasil, Marcelo Oliveira, as regiões citadas precisam ter uma maior fiscalização para combater crimes como garimpo ilegal, tráfico de drogas, armas e animais.
“Além da degradação ambiental, os garimpos ilegais trazem um rastro de destruição que inclui tráfico de drogas, armas e animais silvestres, além da exploração sexual. Por isso, o Estado precisa garantir maior controle e segurança para as populações locais. No entanto, outras ações como a fiscalização do desmatamento e queimadas também reduzem a exposição ao mercúrio, uma vez que impactam na dinâmica dos solos e dos rios e igarapés”, afirma Marcelo Oliveira.