Uma família amazonense percorreu uma distância de 392 km, de Santo Antônio do Matupi até Porto Velho, para buscar atendimento pediátrico para Anthony Davi Batschke Almeida, de 1 ano e 4 meses. No hospital infantil Cosme e Damião, a família diz ter vivido momentos de tensão e tristeza. Na manhã de domingo (19), Anthony morreu. A família denunciou a conduta de uma enfermeira após o acesso onde era administrado medicamento para o coração da criança ter sido deslocado.
Chegada a Porto Velho
A viagem durou mais de 5h até a chegada da família em Porto Velho. O objetivo era buscar exclusivamente ajuda médica para a criança. A mãe do Anthony, Ellen Paola Almeida Ribeiro, de 20 anos, conta que a mãe dela e o pai do bebê chegaram à capital rondoniense no domingo (12) e não perderam tempo para procurar o atendimento pediátrico.
“Fomos na UPA da zona Leste e lá o médico disse que ele tinha problema no coração, que parecia ser e também pneumonia. Lá eles bateram o raio-x, que mostrou que o coração dele era muito grande e que realmente ele estava com pneumonia. Depois nos encaminharam ao hospital Cosme e Damião. Lá fizeram um “pique no pescoço dele”, para colocar o cateter e começou a colocar o medicamento que ia direto para o coração dele, pois os batimentos estavam muito baixos”.
Ellen fala que em uma semana no hospital presenciou falhas da equipe de saúde, como a falta de exames.
“Na terça-feira, era para ele ter feito um ecocardiograma, mas não foi feito por negligência da enfermeira que confundiu, esqueceu e não enviou para ser feito. Quando foi na quinta-feira eu falei que se eles não fizessem o exame eco do meu bebê eu ia denunciar o hospital”.
Na mesma noite de quinta-feira, Anthony Davi foi submetido ao exame. Ellen conta que com o resultado, a pediatra relatou que o bebê tinha um caso raro.
“Ela [médica] disse que não acreditava, pois ele só tinha a metade do coração e que ele era um milagre mesmo”.
Denúncia de manipulação errada
Na madrugada de sábado (18), conta Ellen, uma enfermeira foi fazer o curativo no acesso que era para a administração do medicamento. Segundo a mãe, a profissional não acertava o procedimento, o que fez com que o acesso se deslocasse.
“Ela [enfermeira] fez oito vezes o curativo dele. Fez duas vezes de manhã, também durante a madrugada, ao amanhecer. Toda hora ela colocava o curativo errado, puxava e não colocava nenhuma gaze por baixo. Toda vez que ela puxava o curativo, arrancava um pouco a mangueirinha [do cateter que estava no pescoço] que mandava remédio para o coração não parar de bater”.
A mãe da Ellen, Michelli Almeida do Nascimento, era quem estava com Anthony Davi no momento em que ele morreu. A avó conta que viu o neto gritar de dor durante um procedimento realizado pela equipe de saúde.
“A gente trocava de turno para o bebê não ficar sozinho. Ela [Ellen] ficava durante o dia e eu durante a noite. Quando eu peguei ele, eu vi que só tinha uma pontinha do acesso pra dentro. Não sei se dava 1,5 cm. A enfermeira já tinha feito oito curativos. Ela deixava tudo feio e colado de qualquer jeito. Ele mexeu e foi quando o acesso escapou. Eles chamaram um cirurgião para fazer o novo acesso, mas ele estava na sala de cirurgia”.
“Mas depois colocaram o novo acesso na região do peito. Eu levei ele pra cama. Lá colocaram o medicamento para rodar, entre eles o do coração. Deram também um xarope e colocaram um soro para não entupir a veia dele”, conta a avó.
‘Ele gritou horrivelmente’
Com o novo acesso, lembra Michelli, no momento em que o medicamento começou a ser administrado pela enfermeira, o neto ficou inquieto. Nesse instante, ela diz ter alertado a profissional de saúde, mas comenta que foi repreendida por ela.
“Quando foi de manhã, eles colocaram outro medicamento. Na hora que ela colocou, ele começou a bater a mãozinha em cima do acesso e gritar horrivelmente e olhava pra mim chorando. Ele gritava, gritava e olhava pra mim como se tivesse pedindo socorro. Eu falava “o que foi meu filho?” Ele queria arrancar aquele acesso de qualquer jeito. Eu falava pra enfermeira que ele estava com muita dor, mas ela ficou brava e disse que tinha muito tempo que ela trabalhava lá e que ela sabia fazer essas coisas e que não precisava de ninguém ensinando não”.
“Ela disse para eu ficar despreocupada e ainda disse que ninguém tinha me falado, mas que toda criança com esse problema cardiopata é estressada. Eu disse que ele não era assim. Que eu conhecia ele e que estava com muita dor. Depois de eu tanto falar, ela deu dipirona para ele. Ainda durou uns 30 a 40 min essa tortura e o bichinho morreu gritando. Até quando tudo acabou. Ninguém atendeu ele, ninguém olhou o remédio que eu falei e eu não podia tirar porque eles iam brigar. Não teve jeito” .
Com o atestado de óbito, a família voltou com o corpo de Anthony Davi para o Amazonas, onde a família o velou e ele foi enterrado na manhã desta segunda-feira (20). Ellen usou as redes sociais para expor o acontecido.
Diante da denúncia, o g1 entrou em contato com a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Saúde (Sesau), mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
O Conselho Regional de Enfermagem de Rondônia (Coren-RO) também foi procurado. O órgão informou que tomou conhecimento nesta segunda-feira (20) do suposto erro técnico ocorrido no domingo (19), no Hospital Cosme e Damião e que na terça-feira (21) encaminhará uma equipe de fiscalização para averiguação do caso, e assim tomar as medidas cabíveis.