O Afeganistão fica na Ásia Central, encravado em uma porção de terras montanhosas geograficamente estratégica e com potencial econômico que atrai vizinhos e potências com as quais nem mesmo tem fronteiras.
No passado, a disputa entre países do Ocidente e a Rússia forjou o desenho do mapa afegão e também marcou a trajetória de guerras envolvendo o país. Agora, o futuro do Afeganistão mobiliza as atenções sobretudo da China, da Rússia e dos EUA, mas vizinhos menos influentes globalmente, como o Irã, a Índia e o Paquistão, também disputam a influência sobre o país e seu território.
Abaixo, em cinco tópicos, entenda a localização do Afeganistão e quais os interesses das potências mundiais:
1 – Localização do país e origem
O Afeganistão é um pais montanhoso, sem acesso ao mar e com um território de 652 mil km², pouco maior que o estado de Minas Gerais. Historicamente, na Antiguidade, o território que hoje forma o país já foi ocupado por diferentes povos e impérios, como a Babilônia e o macedônio de Alexandre, o Grande.
Na história mais recente, no século 19, o Império Britânico ocupou a região e foi responsável por levar ao trono o rei Shah Shujah (1838-1842). Depois de as tropas britânicas terem sido expulsas, retornaram entre 1878 e 1880, sendo que a independência da influência britânica só ocorreu definitivamente em 1919.
“O Afeganistão nasceu como um Estado tampão para impedir o avanço da Rússia czarista no século 19, que estava se expandindo em direção ao sul do continente asiático. Os ingleses viram isso como uma ameaça e criaram o Reino do Afeganistão como um Estado”, diz o professor Samuel Feldberg, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).
2 – Independência, invasão soviética e atual interesse russo
Atualmente, o Afeganistão faz fronteira com seis países, a metade deles aliados diretos da Rússia e ex-repúblicas soviéticas: Tajiquistão, Uzbequistão e Turcomenistão. A estabilidade dessa área, portanto, é do interesse russo.
Desde a independência declarada, os arranjos de poder no Afeganistão sempre foram considerados instáveis. Por conta da proximidade com a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em diferentes momentos o país teve assistência militar e econômica do bloco, até que em 1979 foi invadido pelo exército soviético, em um período que já havia apoio dos Estados Unidos a grupos locais contrários aos russos. A presença soviética seguiu no país até um acordo de paz em 1988.
Como lembra a colunista do G1 Sandra Cohen, “os EUA se envolveram no país há quatro décadas, durante a Guerra Fria, apoiando combatentes armados – os mujahedin – contra os soviéticos. O impacto do conflito desgastou a economia soviética até que o então presidente Mikhail Gorbachev anunciou a retirada total das tropas”.
Apesar da derrota, os soviéticos continuaram a sustentar o governo afegão, liderado por Mohammad Najibullah, para conter o avanço dos rebeldes. Mas o império soviético desmoronou, a fonte secou e, em 1992, Najibullah foi destituído do poder.
No cenário atual, a Rússia se interessa em fazer contraponto ao poder dos EUA em áreas que ela avaliar estar dentro de seu círculo de influência, sobretudo o sul da Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu. Além disso, também tem interesse no fortalecimento do Talibã contra o Estado Islâmico (EI), já que o país sofre com terrorismo jihadista no Cáucaso. Por isso, manter o EI longe do norte do Afeganistão é importante para a Rússia.
3 – China: interesse em minerais, contraponto aos EUA e aos jihadistas uigures
Ainda na segunda-feira (16), a China afirmou que deseja manter “relações amistosas” com o grupo extremista Talibã, que tinha tomado o poder no Afeganistão apenas um dia antes.
A China e o Afeganistão são países vizinhos e têm 76 quilômetros de fronteiras comum.
Pequim incluiu, ainda em 2016, o Afeganistão em seu grande projeto de infraestrutura, as “Novas Rotas da Seda”. Mas, por falta de segurança, os investimentos chineses foram modestos no país: 4,4 milhões de dólares em 2020, segundo o ministério do Comércio.
A China tem também interesse nos minérios do país, entre eles o cobre na região de Mes Aynak. Mas outro dos possíveis focos são as reservas de “terras raras”, que são insumos importantes nas cadeias de fabricação de produtos de altas tecnologias.
Além do forte interesse econômico, a fronteira com o Afeganistão na província de Xinjiang é palco de atividades de grupos extremistas uigures. O receio é que jihadistas uigures presentes também no Afeganistão se fortaleçam na região, justamente porque a China vem sendo acusada de genocídio contra o povo uigur.
E assim como a Rússia, a China também busca fazer oposição aos EUA e a retirada das tropas do Afeganistão é uma nova oportunidade para se contrapor à influência americana.
4 – EUA: das ações contra os soviéticos à luta contra o terror
Os EUA iniciaram sua relação com o Afeganistão há 40 anos, durante a Guerra Fria, com o apoio aos mujahedin, grupo de guerrilheiros que atuavam contra as investidas soviéticas no país. O cenário de conflito e os investimentos em armas e treinamento militar formaram um terreno fértil para a criação e ascensão do grupo extremista Talibã, que tomou o poder do país nos anos 1990.
A interferência americana voltou a aumentar durante a chamada Guerra ao Terror, em resposta aos atentados do 11 de setembro, quando o governo talibã do Afeganistão se recusou a entregar o chefe da al-Qaeda, responsável pelos ataques, Osama Bin Laden.
Duas décadas depois, com o retorno do grupo ao poder, os americanos temem que o país se torne um “santuário para grupos extremistas”, no entanto, outra grande preocupação é a perda de influência no território que poderá favorecer seus maiores adversários: China, Rússia e Irã.
5 – Índia, Irã e Paquistão: o interesse de vizinhos
Além das potências globais, vizinhos com forte expressão regional também buscam marcar posição na relação com o Afeganistão:
- ÍNDIA: o país vê no Afeganistão um de seus principais aliados regionais, e sua localização – com uma longa fronteira com o Paquistão, com quem a Índia não tem boas relações – é vital para a segurança nacional.
- IRÃ: Com laços estreitos com o grupo extremista, o governo iraniano foi acusado de fornecer apoio financeiro e militar ao Talibã. Além disso, especialistas alertam para a expansão da presença clandestina das Forças Quds – unidade especial da Guarda Revolucionária – no país para promover os interesses iranianos.
“Cerca de 20% da população do país é xiita, e o principal país xiita da região, o Irã, “está preocupado com a possibilidade de associação, no Afeganistão, de grupos salafistas que atacam os xiitas”, explica Arlene Clemesha, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP).
- PAQUISTÃO: Entre a Índia – com quem não tem boas relações – e o Afeganistão, o Paquistão vê no apoio afegão uma expansão de sua influência regional e apoio em conflitos. O país foi um dos únicos, ao lado da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, a reconhecer o Talibã quando assumiu o poder na década de 1990.
Há uma identidade étnica de uma parte dos afegãos com o Paquistão. “A fronteira entre os dois é praticamente inexiste”, comenta Samuel Feldberg, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). O Paquistão usa essa proximidade étnica nos conflitos que tem com a Índia, segundo o professor.
Quando o Afeganistão foi invadido em 2001, muitos dos membros de grupos terroristas que estavam no país acabaram encontrando refúgio no Paquistão —o próprio Osama Bin Laden foi capturado em uma cidade próxima a Islamabad, no Paquistão.
Há mais de dez etnias no país, que falam línguas diferentes e que têm uma organização parecida com a de tribos. “Como o Estado do Afeganistão atual nasceu de um projeto colonialista, as rivalidades internas foram exacerbadas. Os grupos étnicos do Afeganistão não consideram as fronteiras entre o país e os vizinhos legítimas”, diz a professora Clemesha.
Por Felipe Gutierrez e Fábio Manzano, G1